terça-feira, 20 de julho de 2010

A paternidade de um medicamento.

Alguns dos meus 2 ou 3 leitores enviaram torpedos pedindo meu humilde comentário acerca da paternidade dos medicamentos genéricos. Num primeiro momento lembrei-me de tantas crianças abandonadas querendo um lar e todo mundo brigando para ser pai de “remédio”. Resolvi apelar à minha mente, já que fui testemunha viva desse processo. Por não poder confiar piamente no conteúdo de minha calota craniana, já que os labirintos cerebrais tornaram-se mais entrelaçados com o avanço da idade, optei por buscar nos anais (com muito respeito) disponíveis na internet. Revirei também minhas caixas de papelão, onde guardo reportagens antigas sobre o assunto, além do meu velho calção de banho e ioiôs da coca-cola.

Lembro-me do dia 05 de abril de 1993 como se fosse hoje. Além de comemorar o 95º dia do ano no calendário gregoriano e do 172° ano da Independência brasileira, lembrava-me com tristeza dos 41 anos do golpe de estado em Cuba, por parte de Fulgêncio Batista e dos 18 anos da morte de líder nacionalista chinês Chiang Kai-Shek. Com o espírito embargado, levantei da cama, fui até a banca de jornal e comprei um exemplar do mais lido jornal do País: o Diário Oficial da União. Sentei-me num banco da praia de Santos e passei a folhear o informativo. Lendo as diversas páginas existentes, já que não tinha figuras para serem apreciadas, deparei-me com um Decreto assinado pelo Presidente Itamar Franco: o Decreto 793. Li atentamente, pois como já havia me formado, a palavra medicamento despertava muito interesse. Destaco aqui algumas das normas previstas pela nova legislação:

- O fracionamento de medicamentos deveria ser efetuado na presença do farmacêutico;

- Ficava vedado aos estabelecimentos de dispensação, a comercialização de produtos ou a prestação de serviços não mencionados na Lei n° 5.991/73;

- Deveriam contar obrigatoriamente, com a assistência técnica de farmacêutico responsável, os setores de dispensação dos hospitais públicos e privados e demais unidades de saúde, distribuidores de medicamentos, casas de saúde, centros de saúde, clínicas de repouso e similares que dispensem, distribuam ou manipulem medicamentos sob controle especial ou sujeitos a prescrição médica;

- Todo o medicamento deveria ser comercializado pelo seu nome genérico, sendo que o tamanho das letras do nome e/ou marca não poderiam exceder a 1/3 do tamanho das letras da denominação genérica.

Pronto, o primeiro passo à implantação do genérico no País havia sido dado. Considerando que a principal virtude do medicamento genérico é não precisar fazer “propaganda” de sua marca, já que todos passam a ser iguais perante a Lei, tá respondida a pergunta: quem é pai do Genérico? Com certeza o Ministro da Saúde da época: Jamil Haddad. Eles não inventaram nada, mas propiciaram o debate. É preciso fazer justiça com alguns membros da equipe do Ministério que contribuíram com a elaboração do Decreto: Jorge Zepeda Bermudez, Hermógenes e Franciso Reis. Justiça seja feita também ao ex-Presidente Itamar Franco. Ele mesmo postou em seu twitter: "Presidenciáveis discutindo genéricos me trazem saudades de Jamil Haddad, amigo e guerreiro que criou o Decreto 793, em 5/04/93". Também abro a palavra ao ex-Ministro Jamil Haddad: “Serra, pai dos genéricos? PSDB, criador dos genéricos? Assumir como deles é um embuste! Se fizerem isso de novo, eu denuncio”. “Em 1991, o médico e deputado Eduardo Jorge [na época, no PT-SP] havia apresentado à Câmara Federal projeto propondo a fabricação dos genéricos no País... Em 1993, já no Ministério da Saúde, vi que o projeto continuava na gaveta da Câmara e, ao mesmo tempo, a OMS nos solicitava a liberação dos genéricos. Consultei a assessoria jurídica do Ministério da Saúde que disse não haver necessidade de a autorização ser feita por lei. Podia ser por decreto. Eu preparei-o, levei ao presidente Itamar, que assinou junto comigo.” “A lei de 1999 é apenas a regulamentação do decreto que já existia. O projeto aprovado foi um substitutivo que apresentei ao do Eduardo Jorge e que recebeu uma porção de emendas. Hoje, os genéricos são uma realidade no País.

 
Bom, a briga para o efetivo cumprimento do Decreto merece outra postagem. Ao priorizar o nome genérico em detrimento da marca e de obrigar que houvesse o profissional farmacêutico em toda a cadeia do medicamento, o conflito com os interesses de diversos setores estava gerado. Hospitais, indústrias, distribuidoras...quanto esperneio!!! Mas isso fica para outro momento (se alguém quiser saber).

Agora, em 1999, com a aprovação da Lei dos Genéricos (Presidente Fernando Henrique Cardoso e José Serra, Ministro da Saúde), estes medicamentos passaram a existir no mercado (não rapidamente). Então, podemos interpretar que Jamil Haddad é o pai e uma série de condições levaram a que fosse viabilizado depois. No governo de FHC, vagarosamente, eles começaram a surgir, mas tem coisas estranhas nessa história:

- A Medida Provisória que criou a moeda Real (MP 592, de 30.06.94) (cujo pai e Ministro era FHC) previa a venda de medicamentos em supermercados. Diversas ações conseguiram retirar essa excrescência quando foi transformada em Lei (9069/95). Ocorre que a Lei que regulamenta o comércio farmacêutico acabou sofrendo alterações esquisitas. Porque uma Lei  que trata do comércio de medicamentos precisa conceituar o que é supermercado, loja de conveniência e drugstore?

- José Serra apoiou a venda de medicamentos em supermercados, como forma de quebrar um possível boicote aos genéricos (Folha de São Paulo de 31/05/200 – caderno cotidiano). Espera aí, deixa eu entender. Fernando Henrique em 94 e Serra em 2000. Mas que mania é essa de querer vender medicamentos em supermercados?

- Para regulamentar a Lei dos Genéricos, Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto 3181/99, que, num tapa, revogou na íntegra o Decreto 793/93. Ele não poderia ter deixado ao menos o artigo que tratava do fracionamento e da presença do farmacêutico?

- Perdemos uma chance histórica de instituir uma "Política" de Medicamentos Genéricos. Havia apenas uma Lei. E o incentivo à produção?  O que previa a Lei e o que mudou de fato? Tanto é verdade que levamos muito tempo para ver esses medicamentos nas prateleiras dos estabelecimentos farmacêuticos.

Enfim, esta é minha contribuição. Espero que a briga por saber quem gerou esse filho não acabe na justiça. Agora quero confessar aos meus 2 ou 3 leitores que estou deveras abalado com uma dúvida que assola essa mente fértil.......E a MÃE do genérico, quem é?????




6 comentários:

Unknown disse...

Apenas como colaboração ao brilhante artigo de esclarecedor e informativo para quem desconhece os verdadeiros pais dos genéricos, destaco que o Decreto 793 de 5/04/1993 fortaleceu a firme idéia de um empreendedor e visionário Presidente de uma Indústria Farmacêutica Multinacional – Knoll - Empresa do Grupo Basf na época, hoje Abbott Laboratórios, Sr. Heiner Pflug. Este executivo foi considerado um aventureiro ao acreditar que no Brasil Genéricos seria em pouco tempo uma realidade, sofreu resistências dentro da própria empresa motivo que o levou a lançar em 1995 – bem antes da lei dos genéricos – uma linha de produção e comercialização de medicamentos identificados pelo nome da substancia conforme a Denominação Comum Brasileira com uma marca fabricante que desvinculasse o nome da Knoll. A resistência do mercado foi tremenda, muitas indústrias se manifestaram contra uma empresa de grande porte como a Knoll, tradicional na venda medicamentos de pesquisas de grandes relevâncias no mercado como foi o caso do Dilacoron, Syntroid, Reductil, entre outros, para investir em medicamento genérico e por isso foi lançada esta linha com descaracterizada pela marca BASFGenerix, a diferença era que naquele momento não era exigida a bioequivalência e a biodisponibilidade certificada por uma empresa autorizada pela ANVISA.
O lançamento desta linha foi um sucesso, incomodou muitas empresas líderes de mercado com suas marcas, inclusive a própria Knoll. Depois da lei a Indústria nacional investiu muito, contribuindo para o amadurecimento do mercado e hoje as multinacionais começam a comprar as nacionais ou outras multinacionais de menor porte, mas com experiência em mercados genéricos, e começam uma corrida para liderar o mercado brasileiro. Não só a sociedade ganhou com os genéricos, mas a industria encontrou uma alternativa nos países emergentes para superarem suas perdas nos mercados europeu e americano.

JuniorCarlos disse...

Também concordo quanto à resistência de certas unidades de saúde e hospitais que com uma visão atrasada acham que um Farmacêutico (colaborando na aquisição, guarda e correta dispensação, sem falar na tão falada atenção farmacêutica)gera mais despesas que lucro. Com essa visão distorcida não enchergam o desvio de medicamentos para as farmacinhas caseiras, os medicamentos impróprios para o uso, os vencidos entre outros, para a maioria dos profissionais da saúde (não digo todos!)os "remédios" assim chamados por eles são pílulas mágicas que curam, aliviam e previnem (e os efeitos colaterais não conta?)Se a presença do farmacêutico é obrigatória em farmácias comerciais, por que então essas unidades não cumprem com a referida lei??? Como diria nosso querido colega "a lei é para TODOS, porém há alguns mais TODOS que os outros"

Unknown disse...

É bastante interessante lembrar do que vem a memória nesses fatos, o que eu lembro de 1993 era que eu estava começando a entender da área... mas piadas à parte, eu lembro muito bem que um ano após o lançamento da lei de genéricos, eu estava em uma indústria farmacêutica e apenas materiais criados por pessoas como a Silvia Storpirtis é que se conseguia entender como fazer acontecer de forma correta, então acho que ela poderia ser uma mãe... pronto, agora achamos a mãe, quem sabe adotiva!
Agora, um tato importante é saber, não apenas dos supermercados, mas também pensar nas industrias beneficiadas com a lei de genéricos, no primeiro momento (não quer dizer que são as maiores de hoje, pois quem não forma boa equipe técnica não fica no topo) mas das grandes construções e das fabricas faraônicas no meio do serrado... talvez ali saberemos, nao o pai, e nem a mãe, mas os nomes dos filhos da mãe bendita e de vida fácil

Marcio Pinto disse...

Faltou o professor Antonio Carlos Zanini, da FMUSP.
Márcio, SP

Pedro E. Menegasso disse...

Muito boas lembranças. Queria lembrar que uma parte importante desse decreto, justamente a que contém esses detalhes bem farmacêuticos, como o reforço da 5991 sobre a presença do profissional, o fracionamento e outros, foram elaborados no CRF-SP, onde recebemos esse pedido de colaboração da então Presidente, Eliane Gandolfi, que integrava a equipe do ministério, com os outros citados no artigo. Todos nos orgulhamos de ter colaborado e presenciado esse momento histórico.

Queila disse...

Gostaria de saber quais foram os conflitos que existiram no setores industriais e outros sobre o decreto 793?