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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A saúde é alavanca para sair da crise, defende Carlos Gadelha

Extraído do Jornal GGN

Por LILIAN MILENA

Autor do conceito “complexo econômico-industrial da saúde”, implementado na política nacional de desenvolvimento entre 2003 e 2015, chama a atenção para a necessidade da gestão pública considerar a saúde como uma alavanca decisiva para o Brasil sair da crise. 


Brasilianas - Afirmar que a Saúde é um setor que “não cabe no PIB”, ou avaliá-lo como um gasto que precisa ser contido pelo Estado é uma visão bastante limitada e precisa ser desmontada, defende o economista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Grabois Gadelha, na entrevista à seguir, para o portal Região e Redes. Gadelha destaca que 35% das atividades produtivas, tecnológicas, de pesquisa e inovação ocorrem no campo da saúde que representa 10% PIB brasileiro, peso maior do que o da indústria manufatureira. Em 2016, por exemplo, a área movimentou R$ 600 bilhões na economia brasileira. Além disso, emprega 12 milhões de trabalhadores qualificados. 
"A saúde, ao mesmo tempo que constitui um direito básico de cidadania, uma conquista civilizatória que o Brasil teve e que culminou na Constituição de 1988, também mobiliza um grande complexo produtivo de inovação, que é dos mais importantes para o país”, pontua o pesquisador. 
Gadelha é autor do conceito “complexo econômico-industrial da saúde”, implementado na política nacional de desenvolvimento entre 2003 e 2015, e chama a atenção nesta entrevista para a necessidade da gestão pública considerar a saúde como uma alavanca decisiva para o Brasil sair da crise. 
"A conformação e a organização do Estado na área de desenvolvimento industrial e tecnológica devem ser pautadas pelos grandes desafios sociais. Então, em vez de ser política industrial automobilística, é política industrial de inovação para mobilidade. Em vez de ser política industrial para farmacêutica, é política industrial de inovação para a saúde. Em vez de ser política industrial para petróleo e gás, é política industrial para matriz energética do futuro, que inclui petróleo e gás, mas também as demais várias matrizes energéticas", explica. Acompanhe a seguir a entrevista completa.
O Sistema Único de Saúde (SUS) representa um dos principais desafios da política pública brasileira. Desde a sua criação, há 29 anos, sofre com insuficiência de recursos financeiros, humanos e tecnológicos. Nos últimos anos, o que sempre foi conhecido por subfinanciamento da área de saúde tem evoluído para um desfinanciamento que põe em risco parte das conquistas e avanços trazidos à sociedade brasileira. Um dos principais orçamentos dos governos federal, estaduais e municipais, os gastos com saúde são elegíveis aos cortes que gestores públicos vêm como única alternativa para tirar o Brasil da situação de crise.
Na visão do economista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Grabois Gadelha, o sistema de saúde brasileiro precisa ser visto como algo maior que sua capacidade de assistência aos cidadãos. É preciso um olhar diferente e integrado sobre o potencial da área da saúde para promover desenvolvimento e trazer qualidade de vida. Com atividades produtivas, tecnológicas, de pesquisa e de inovação que mobilizam 10% do PIB e empregam cerca de 12 milhões de trabalhadores qualificados, a saúde no Brasil apresenta capacidade de gerar empregos e renda e carrega uma oportunidade ímpar de investimentos em ciência, tecnologia e inovação que podem ajudar o Brasil a acender a luz que guiará o país ao longo das próximas décadas.
E não é apenas a saúde. Segundo Gadelha, a mobilidade urbana truncada, o desenvolvimento energético e a garantia de segurança alimentar para a população brasileira compõem alguns dos itens que devem ser abordados com uma visão integrada entre sistema produtivo e políticas públicas de melhoria da qualidade de vida. Esses setores, junto com o da saúde, podem ser a grande alavanca para tirar o Brasil da crise e ajudar a construir um novo modelo de desenvolvimento, que atenda as necessidades mais urgentes e complexas do país. Principalmente agora que os setores da construção civil e de petróleo e gás estão paralisados ou desmontados. Apesar de o país estar diante de um cenário econômico, social e político incerto e com a política de cortes vigendo, parece utópico pensar nessas alternativas. Mas conhecer as possibilidades é fundamental para ajudar o país a pensar novos caminhos para o futuro.
Região e Redes: Quando se fala em Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEIS), do que exatamente estamos falando?
Carlos Gadelha: Essa noção do Complexo Econômico Industrial da Saúde, foi desenvolvida no início dos anos 2000, a partir dos grandes estudos de competitividade do Instituto de Economia da Unicamp e do Instituto de Economia da UFRJ. A proposta era dar um passo além das políticas meramente setoriais para estabelecer políticas e visões que tivessem uma articulação de grandes sistemas produtivos de inovação, e a saúde é um grande sistema político de inovação que depois foi assumido como prioridade na política governamental.
A saúde, ao mesmo tempo que constitui um direito básico de cidadania, uma conquista civilizatória que o Brasil teve e que culminou na Constituição de 1988, também mobiliza um grande complexo produtivo de inovação, que é dos mais importantes para o país. Só para você ter alguma ordem de grandeza, se eu pensar a saúde como sistema integrado, produtivo e articulado, e não apenas como um fragmento de setores de medicamentos e de vacina, a saúde mobiliza 10% do PIB. Se eu pegar o PIB do ano passado, que está na faixa dos R$ 6 trilhões, a saúde mobiliza cerca de R$ 600 bilhões na economia brasileira. O peso da saúde é maior que todo o peso da indústria manufatureira no PIB.
As atividades produtivas, tecnológicas, de pesquisa e de inovação em saúde mobilizam cerca de 12 milhões de trabalhadores qualificados, ou seja, tem tudo a ver com a sociedade do conhecimento. Aqui no Brasil, 35% das pesquisas são feitas no campo da saúde ou de áreas muito próximas, como das ciências biológicas e biomédicas.
RR: Não é possível fazer políticas sociais e políticas de desenvolvimento e de inovação de modo desarticulado…
CG: Os economistas compartilham da ideia de que política industrial é importante, mas às vezes se perde um pouco o elo de que a política social e a infraestrutura produtiva e econômica são interdependentes. Se há setores que são mais intensivos em tecnologia, que têm maior capacidade de atender demandas sociais e que mobilizam empregos qualificados, a base econômica e tecnológica do país está associada a um certo modelo de sociedade.
Então, quando elegemos e selecionamos o complexo da saúde como uma grande aposta de longo prazo da política nacional, a gente está simultaneamente atuando na dimensão econômica da geração de produção, emprego, renda, inovação, e na dimensão social. Há uma grande aposta, uma grande perspectiva, de que nós não podemos ter sistemas universais no campo da saúde, e isso vale também para educação e para outras áreas. Mas se não tivermos um sistema produtivo forte que ancore as políticas sociais, não há condição de conformar o estado de bem-estar no Brasil.
Essa é a grande perspectiva e que foi assumida como política pública, causando verdadeira transformação do ponto de vista dos instrumentos de política pública. A partir de 2008, quando foi lançada a política de desenvolvimento produtivo (PDP), se colocou o complexo industrial da saúde como uma das cinco prioridades da política industrial brasileira. Com o apoio do BNDES, o primeiro objetivo foi reduzir a vulnerabilidade do SUS. De outro lado, o Mistério da Saúde criou uma política de desenvolvimento produtivo para usar o poder de compra do Estado para internalizar a capacidade de produção e de inovação no Brasil.
Ou seja, uma clara articulação impensável nos anos 1970 e 1980, quando se falava que a melhor política industrial era não ter uma política industrial. A retomada da política industrial toma o campo da saúde como um campo de interação. Instituições de desenvolvimento econômico, como o BNDES, e instituições clássicas de desenvolvimento social, como o Ministério da Saúde, começam a dialogar e a fazer políticas articuladas. O Ministério da Saúde usando seu poder de compra e o BNDES financiando projetos industriais e de inovação no Brasil.
RR: A lógica de um sistema e não de um setor…
CG: Na verdade, quando você faz qualquer programa, por exemplo, um programa de atenção em câncer, simultaneamente mobilizam-se equipamentos de radioterapia, produtos farmacêuticos biotecnológicos e atua-se na ponta, com hospitais que têm que ter alta complexidade de conhecimento e tecnologia tanto para o tratamento em câncer quanto para as pesquisas clínicas em câncer. Eu peguei o exemplo do câncer, mas podia ser de uma vacina contra dengue. Trabalha-se no desenvolvimento da vacina, no diagnóstico, em materiais que possam ser usados no controle da dengue, trabalha-se no controle de vetores e mosquitos e é preciso mobilizar os serviços em saúde para disseminar os produtos, as tecnologias e os conhecimentos, inclusive na área de saneamento que tem a ver com a dengue. Então, quando eu trabalho por problema eu não posso ser setorial. A saúde é o problema e não, individualmente, os setores que a compõe. Isso é uma reflexão. Em vez de o problema ser a indústria farmacêutica (como é que eu produzo cada vez mais medicamento?), meu problema é a saúde. Talvez para algumas doenças ou algumas questões de saúde pública a abordagem não seja mais medicamento e sim saneamento, ou ter vacinas que vão prescindir de medicamentos.
É o mesmo que, em vez de eu fazer política automobilística, eu devo fazer política para a mobilidade. Ou nosso objetivo é ter cada vez mais cidades mais entupidas de carro? E, ao mesmo tempo, quando tenho política de mobilidade eu estou abrindo oportunidades de investimento, de geração de renda e emprego, de oportunidade de lucro, mas pautado numa dimensão social do padrão de desenvolvimento. No campo da energia poderia dizer: se eu estou mudando a minha matriz energética para uma matriz de energia limpa, por exemplo, energia solar e energia eólica, estou abrindo oportunidade de investimento, mas estou pensando numa sociedade que tem de ser mais ambientalmente sustentável e com melhor qualidade de vida.
RR: Isso não se faz sem Estado forte e planejamento de longo prazo…
CG: Se eu pensar em Coreia, Japão, Alemanha, EUA, China, todos tiveram uma participação ativa do Estado e uma articulação virtuosa entre Estado e setor privado. No Brasil só começamos e estamos engatinhando. Então, isso começa a partir dos anos 2000. Essas políticas são políticas para 20 ou 30 anos ou é melhor nem fazer. Porque são políticas estruturantes sobre o sistema produtivo. A nossa capacidade de inovação, a capacidade de desenvolver tecnologias de fronteira, a capacidade de articular o sistema industrial com o sistema de serviço, todas são apostas que estão no estágio inicial. Longe de ter concluído o trabalho. O trabalho foi apenas iniciado e demanda, sim, um aprofundamento dessas políticas.
RR: O senhor disse que não dá para garantir um direito universal se não houver um sistema produtivo forte. Como essas políticas industriais e de inovação podem ajudar a dar sustentação ao SUS?
CG: Eu acho que existe hoje uma visão mesquinha e medíocre do ajustamento recessivo. Temos baixo grau de crescimento, finanças públicas quebradas e estamos entrando no círculo vicioso, e não virtuoso, de corte nos gastos sociais e nos direitos. Um olhar mesquinho sobre o desenvolvimento em que, para obter o ajuste, eu limito e corto os gastos sociais e as condições de bem-estar da população. Ao invés de isso permitir que eu saia da crise, isso aprofunda a crise.
Ou seja, o sistema de bem-estar social é um multiplicador de renda que se aproxima de dois, ou seja, cada gasto social gera o dobro de renda e emprego. Mas se eu pegar a dimensão tecnológica, a saúde e a educação, o sistema de bem-estar social representa 50% da capacidade de inovação e de pesquisa do país. Quer dizer, se olharmos o gasto social com esses óculos eu saio da visão míope de ver isso apenas como gasto.
Quando falo de gasto estou falando em uma população mais saudável. Estamos falando em gastos que vão gerar empregos de alta qualidade, são empregos formais. Dos setores que mais empregam trabalho formal no país, um é a área de saúde. E ao mesmo tempo estou falando de abrir mercados para toda a pesquisa brasileira, ou seja, 35% da pesquisa brasileira ficam sem mercado. Isso não faz sentido algum! É desperdiçar uma oportunidade histórica, porque temos o Sistema Único de Saúde e temos uma base de pesquisa e um olhar medíocre sobre as possibilidades dessa política para alavancar o desenvolvimento.
Na verdade, temos dois modelos de ajuste: um que crescentemente vai-se cortando mais e mais e vai-se quebrando os horizontes de crescimento futuro; e outro, um modelo virtuoso, em que você pode tratar o sistema de bem-estar social, mais do que apenas a saúde, como alavanca que gera inovação, imposto, emprego e renda. Um país só atinge as condições de ser mais equânime e mais desenvolvido se tem uma base produtiva qualificada e diversificada. O país que tem uma base produtiva pobre, baseada em produtos primários exportadores, é um país que terá uma péssima distribuição de renda e não terá um estado social.
RR: Estamos mergulhados em crises, sem alternativas nem perspectivas interessantes. Que modelo de país é preciso para fazer avançar essa perspectiva?
CG: Esse é o centro da questão. Eu acho que preside qualquer discussão sobre ajuste macroeconômico, sobre gasto social, sobre política de ciência e tecnologia. É uma premissa que a gente coloque na mesa qual é o modelo de sociedade pretendido pelos brasileiros.
O Brasil soube, em momentos graves de crise, como foram os anos 1930 e os anos 1950, que não podemos entrar na depressão econômica, porque isto é ficarmos passivos frente à crise, e é momento de formulação estratégica de projetos de desenvolvimento. Então, temos como modelo de sociedade um país que seja justo, inclusivo.
A Europa monta seu Estado de bem-estar no pós-guerra, depois da experiência terrível da barbárie nazista, quando se falou: “olha, nós temos que ter uma sociedade pautada por princípios gerais que estão na Declaração dos Direitos Humanos, orientada por princípios gerais de cidadania, de direitos, de direitos sociais como premissa”. O modelo de sociedade e os direitos sociais devem presidir todas as políticas públicas, inclusive as políticas industrial e tecnológica. A conformação e a organização do Estado na área de desenvolvimento industrial e tecnológica devem ser pautadas pelos grandes desafios sociais. Então, em vez de ser política industrial automobilística, é política industrial de inovação para mobilidade. Em vez de ser política industrial para farmacêutica, é política industrial de inovação para a saúde. Em vez de ser política industrial para petróleo e gás, é política industrial para matriz energética do futuro, que inclui petróleo e gás, mas também as demais várias matrizes energéticas. Em vez de eu ter uma política específica, por exemplo, de infraestrutura urbana, eu tenho que criar políticas com cidades saudáveis e cidades inteligentes em uma agenda de desenvolvimento e inclusão. Não é ter cidades inteligentes em alguns bairros cercados por favelas que não têm acesso sequer a condições mínimas de saneamento. A política para agroindústria, é política para alimentos, que envolvem aspectos de segurança alimentar. As demandas e os desafios desta sociedade têm que anteceder a política industrial e a política de inovação.
Todo o sistema de ciência e tecnologia montado depois dos anos 1950 é forte no Brasil. Alguns sistemas de bem-estar têm muitas falhas, mas como o SUS foram constituídos nesse Brasil e são patrimônios do povo brasileiro. Só que tudo isso está em pleno processo de construção. Enquanto nos países europeus foi preciso uma guerra que matou 50 milhões de pessoas para se criar o estado de bem-estar, e isso foi construído nos 30 anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, a gente corre o risco de matar o nosso incipiente sistema de bem-estar no momento que precisávamos avançar incorporando a dimensão tecnológica e industrial. Não podemos tratar a política social como política compensatória.
RR: Quem hoje representa e faz esse debate com essa clareza no Brasil?
CG: Temos que retornar às energias utópicas. Nos anos 1980 falava-se em energias utópicas, a utopia não é algo descolado da realidade. Hoje temos uma desmobilização da sociedade brasileira porque estamos sem projeto de futuro.
Temos uma série de instituições, e o próprio sistema universitário, que está sendo tensionado a mostrar respostas para a sociedade. Eu participo da principal instituição de ciência e tecnologia em saúde do Brasil, a Fiocruz. Ao mesmo tempo que é uma instituição essencial para a formação do SUS, é a maior instituição de biotecnologia do país e é uma instituição do SUS.
Se dissermos na rua “olha, eu tenho tecnologia para viabilizar o acesso público, para reduzir a dengue, ou para prevenir e tratar o câncer”, eu garanto que o apoio social virá com grande ênfase. Mas se dissermos que o sistema tecnológico está apenas a serviço da competitividade, isso não tem apelo social nenhum.
Também temos que estabelecer o diálogo com a política e com a sociedade, colocando a agenda do desenvolvimento a serviço da agenda social. Eu duvido que a questão da mobilidade urbana e das tecnologias da mobilidade não se tornem prioridade se a gente souber esclarecer a população devidamente. Hoje um trabalhador leva cinco horas do seu dia de trabalho para chegar ao trabalho e voltar para casa em condições precárias de transporte e de segurança e de violência. Há uma falta de entendimento e clareza dos formuladores de políticas públicas e da nossa própria intelectualidade em estabelecer esse diálogo. A população sabe onde o sapato aperta. Se você falar de mobilidade, do custo da energia para as famílias, se você falar de alimentos, se você falar de saúde, as pessoas entendem. Agora se falar os termos técnicos, que atendam apenas à lógica da competitividade e do desenvolvimento de algumas empresas, as pessoas não vão querem entender, e com muita razão.
É óbvio que estamos em um período triste do país, mas temos que sair dessa tristeza para reavivar um diálogo com a sociedade, em que política de desenvolvimento comece a ter uma interlocução com os problemas reais das pessoas. Nós somos um dos países mais desiguais do mundo, do ponto de vista da distribuição de renda e do ponto de vista regional. Por exemplo, o desenvolvimento regional brasileiro, ou a desigualdade regional, não ocorre apenas entre as macrorregiões.
Dentro do Amazonas, 90% do PIB está na região metropolitana de Manaus. Isto é um grande problema?. Sim, é um grande problema, mas também uma grande oportunidade. Um estado com aquela biodiversidade é capaz de criar um projeto de desenvolvimento que não seja tão concentrado numa região metropolitana. Isso vale para diversas regiões do país. Se eu pego São Paulo, tem o Vale da Ribeira. Se eu pego Minas Gerais tem o Vale do Jequitinhonha. Na verdade, é preciso fazer uma inversão nessa perspectiva que eu chamo de medíocre e míope, que vê o brasileiro como problema quando na verdade deveria ser visto como oportunidade de expansão. Rigorosamente, inovação são novos campos de oportunidade de investimento. Quando se abrem novos espaços econômicos, se faz inovação. É preciso produzir em territórios onde não há uma capacidade produtiva e uma população excluída.
Temos que oferecer ao cidadão brasileiro uma proposta que atenda as suas necessidades. Não é uma proposta de distribuição da miséria e da escassez, é uma proposta que aponta para um horizonte dinâmico de futuro.
RR: Como estão estruturadas as políticas de desenvolvimento no Brasil? Existe alguma articulação em curso ou estamos à deriva?
CG: Considero que nós estamos em um momento de risco. Como eu disse, o que foi feito no período recente tem que ser visto como iniciativa incipiente de colocar a dimensão social e a dimensão industrial e tecnológica na prioridade da agenda, mas longe de ter consolidado isto para o futuro. A nossa tarefa seria essa agora. A gente está no meio da crise e a capacidade de articulação das instituições e do próprio Estado, inclusive com o setor privado em torno de um projeto, está fragilizada. Existe uma base produtiva de inovação e de bem-estar que precisa ser articulada. Mas estamos em um momento de crise e de ataque aos três pilares de um novo projeto de desenvolvimento, o pilar da produção, o pilar da inovação e o pilar do bem-estar.
Quando temos o orçamento de ciência e tecnologia reduzido pela metade, um horizonte de congelamento dos gastos sociais por 20 anos e uma desqualificação da política industrial percebemos que estão sob ataque os três pilares centrais de uma estratégia central de desenvolvimento.
Estamos num ponto de inflexão. E aí eu acho que a história tem muito de reversibilidade. No momento que estamos entrando na quarta revolução tecnológica, na interconectividade, no uso da big size, no grande uso de dados, no big data, tudo isso impacta na área social, na educação. A saúde pública do futuro vai ser baseada no big data, na interconectividade, nas tecnologias de informação que permitem organizar um sistema universal de saúde. Ou seja, no momento em que alguns países entram na revolução tecnológica, se a gente ficar estagnado talvez percamos uma janela histórica na oportunidade do desenvolvimento. Acredito que ou entramos na quarta revolução tecnológica em curso, ou correremos o risco de ficar, definitivamente, na armadilha do subdesenvolvimento, sendo apenas mercado consumidor de produtos, serviços e tecnologias gerados em poucos países desenvolvidos.
RR: Nessa discussão de bem estar, cidadania e desenvolvimento, como tem aparecido a questão do enfrentamento das desigualdades regionais? O planejamento regional está contemplado nessa discussão?
CG: Sim, existem algumas ideias importantes nisso. Primeiro, o desenvolvimento regional, mais uma vez, abre espaço de crescimento. Num período recente, os estados da região Nordeste foram os que tiveram melhor desempenho da economia brasileira. Então, acho que do ponto de vista global vale para dentro do Brasil. Isso é outro esforço que os intelectuais devem fazer, ou seja, se a gente quer fazer desenvolvimento regional para valer, a sociedade do conhecimento, as novas tecnologias tem que estar… por exemplo, a gente não pode só fazer telemedicina em grandes centros, como Rio e São Paulo, onde o conhecimento é gerado. Desse modo, os estados da região Norte e Nordeste viram apenas consumidores e estaremos reproduzindo a lógica do subdesenvolvimento para dentro do país, como aliás vem sendo reproduzido historicamente.
Vou dar um exemplo: hoje um dos estados que está conseguindo avançar no complexo industrial da saúde é o Ceará, que montou um parque tecnológico onde a Fiocruz está presente com produtos de biotecnologia de última geração. E isso foi motivado não por uma análise estática de custo-benefício, mas por uma análise dinâmica pautada por um projeto nacional, em que essas áreas são as novas fronteiras de crescimento. O que hoje parece deficiente, amanhã pode ser oportunidade de geração de emprego e renda. Há um certo esgotamento das grandes metrópoles e quando se chega em regiões novas para começar um processo de desenvolvimento criam-se círculos virtuosos de abertura de novos espaços econômicos. Onde não havia coisa alguma começa a existir mobilidade de pessoas, mobilidade de conhecimento, pessoas que se formam no sistema universitário e param de migrar para o Sudeste. Ficam lá no Norte, no Nordeste.
Essa visão de bem-estar inclui a dimensão da desigualdade social e dos direitos sociais, a dimensão da desigualdade regional e a dimensão da sustentabilidade ambiental. Eu acho que isso também é importante dizer. Não dá mais para as políticas de desenvolvimento do século XXI não terem avaliado a sustentabilidade ambiental. Como eu cobro da sociedade uma agenda do desenvolvimento sustentável se eu não coloco para a sociedade que isto pode gerar renda, emprego, melhor qualidade de vida?
RR: O senhor enfatizou a questão da sociedade e da democracia para além do debate técnico e burocrático. Como incluir a sociedade nessa discussão?
CG: Acredito que os modelos pretéritos de desenvolvimento precisam ser repensados, mas também acho que a própria democracia e as formas de participação democráticas precisam ser repensadas. Acho que os instrumentos de mobilização e comunicação democrática precisam ser repensados. Hoje a gente tem as redes sociais, temos as tecnologias de comunicação e informação. Não é verdade que os jovens são desinteressados. Mais uma vez: não estamos conseguindo fazer o diálogo com a juventude e o risco é que essa energia da juventude se disperse. Então, eu acho que essa radicalização da agenda de desenvolvimento também envolve uma radicalização da democracia. É dar voz para as pessoas em participações em fóruns locais. Por exemplo, eu acho que seria uma tragédia o parlamentarismo hoje porque ele afasta mais ainda a sociedade de uma participação nos rumos estratégicos do país.
Há um desencanto global com a próprias formas de participação democrática. A participação nas eleições em diversos países está declinando fortemente. A gente pode citar a França, a Inglaterra, os EUA e outros países. Essa discussão de modelo de sociedade e projeto de desenvolvimento precisa contemplar isso. É preciso diálogo dos intelectuais com a sociedade. Ficamos todos conversando em redes fechadas de Whatsapp e não estamos conseguindo utilizar os novos recursos tecnológicos e as novas formas de organização da própria sociedade. É absolutamente crucial.
Um projeto de desenvolvimento inclusivo para a sociedade se faz com a sociedade. Não é uma elite intelectual trancada em um gabinete que vai fazer o projeto de desenvolvimento colado às demandas sociais. Demanda quem faz é a sociedade, numa articulação em que os intelectuais e a burocracia pública têm o papel central de estabelecer esses canais de esclarecimento, de informação e de diálogo.

Extraído de: https://jornalggn.com.br/noticia/a-saude-e-alavanca-para-sair-da-crise-defende-carlos-gadelha

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Dica de Livro: "Brasil Saúde Amanhã: complexo econômico-industrial da saúde"


Extraído do site: PORTAL FIOCRUZ


Organizadores: Carlos Augusto Grabois Gadelha, Paulo Gadelha, José Carvalho de Noronha, Telma Ruth Pereira
"Este volume é dedicado à reflexão sobre o complexo econômico-industrial da saúde (CEIS), a partir da proposição de que a articulação entre avanço tecnológico, desenvolvimento produtivo e promoção da saúde é fundamental para garantir efetividade na formulação de políticas públicas para o setor. Organizadores e autores do livro defendem a necessidade de conjugar conceitos de diversas áreas da ciência para o fortalecimento do CEIS, diante da “profunda desarticulação das competências tecnológicas e produtivas e da perda de oportunidades para avançar na estruturação de um sistema público de saúde”, efeitos da condução neoliberal da economia que prevaleceu na década de 1990. Os cinco capítulos são apresentados como parte “de uma visão integrada, sistêmica e de economia política”, analisando aspectos relacionados à produção e inovação no âmbito do CEIS, e buscando consolidar bases políticas e acadêmicas para a construção “de um projeto nacional assentado no avanço social e da estrutura produtiva”. O livro integra um conjunto de publicações resultantes da iniciativa Brasil Saúde Amanhã, rede multidisciplinar de pesquisa, coordenada pela Fiocruz, com apoio do Ministério da Saúde".

Sumário:

Prefácio
Apresentação
1. Geração e Trajetórias de Inovação nos Serviços de Saúde
2. Indústria de Base Química no Brasil: potencialidades, desafios e nichos estratégicos
3. Base Biotecnológica no Brasil: desafios e nichos estratégicos
4. Base Mecânica, Eletrônica e de Materiais
5. Complexo Econômico-Industrial da Saúde, Segurança e Autonomia Estratégica: a inserção do Brasil no mundo

Sobre os organizadores:

Carlos Augusto Grabois Gadelha: Economista, doutor em economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro; coordenador das ações de prospecção da Presidência e líder do Grupo de Pesquisa sobre Complexo Econômico-Industrial e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz.
Paulo Gadelha: médico, doutor em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); pesquisador titular e ex-presidente da Fiocruz (2009-2016); coordenador da iniciativa Brasil Saúde Amanhã.
José Carvalho de Noronha: médico sanitarista, doutor em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); médico do Laboratório de Informações em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica em Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã.
Telma Ruth Pereira: médica; colaboradora da iniciativa Brasil Saúde Amanhã da Fiocruz.



Fonte: https://portal.fiocruz.br/pt-br/content/brasil-saude-amanha-complexo-economico-industrial-da-saude

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Brasil 2015: a política industrial da saúde

Publicado no Blog do GGN - Luis Nassif Online em 27/07/2010

Muito se tem falado em um novo modelo econômico casado com as demandas sociais, explorando as necessidades do país em saúde, educação, saneamento etc.
O modelo existe e está pronto para servir de modelo a outros setores. Trata-se do Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do Ministério da Saúde, a melhor e mais promissora política industrial moderna lançada no país.
Criado na gestão José Gomes Temporão, no Ministério da Saúde, reforçado na gestão Alexandre Padilha, preservado depois dos problemas da Labogen, e nas mãos firmes de Carlos Gadelha - Secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde -, o PDP é um modelo vitorioso.
Não segue a receita da Índia. Lá, montaram grandes multinacionais de genéricos e princípios ativos, mas totalmente dissociadas da política da saúde. Dos 1,2 bilhão de habitantes, apenas 400 milhões têm acesso à medicina ocidental.
No caso brasileiro, o PDP foi desenhado a partir das necessidades da população.
Parte-se do princípio que nem toda incorporação tecnológica é adequada. Cabe ao Ministério da Saúde definir as prioridades. Outra característica brasileira é a rede de laboratórios públicos, praticamente inexistentes em outros emergentes.
Definidas, entra em cena o modelo, que conta com as seguintes pernas:
  1. O Ministério da Saúde definindo as compras.
  2. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiando as empresas; e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) financiando a pesquisa.
  3. Um laboratório público, incumbido de assimilar a tecnologia.
  4. Uma multinacional incumbida de transferir a tecnologia.
  5. Um laboratório brasileiro definindo o acesso ao mercado.
Até agora foram assinados 104 contratos de PDPs, para 97 produtos, sendo 66 medicamentos, 7 vacinas, 19 produtos para a saúde e 5 de pesquisa e desenvolvimento. Entraram 79 parceiros, sendo 19 laboratórios públicos e 60 privados.
Tem-se o mercado. De 2004 a 2011 o mercado brasileiro de medicamentos saiu da 11a para a 6a posição mundial, atrás apenas dos Estados Unidos, Japão, China, Alemanha e França.
Tem-se o sistema de compras, graças à estrutura do SUS. Atualmente as compras das PDPs chegam a R$ 8,5 bilhões/ano.
Tem-se os laboratórios públicos. E tem-se os mecanismos de financiamentos dos privados nacionais.
A inclusão do produto precisa obedecer a pelo menos um dos critérios fixados: produto essencial para o SUS e para a capacitação tecnológica do país; custo de aquisição no SUS e/ou déficit da balança comercial superior a R$ 10 milhões; incorporação no SUS: protocolos clínicos novos; e com risco de desabastecimento.
Finalmente, tem-se a fronteira tecnológica. Segundo Temporão, dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que nos próximos vinte anos, as doenças de maior impacto serão a demência e os distúrbios neuropsíquicos.
Além disso, o modelo atual da indústria farmacêutica - baseado na química - está esgotado. A curva de novos lançamentos vem caindo gradativamente.
A nova onda será a dos biofármacos, de moléculas grandes e complexas.
É essa nova fronteira tecnológica que fecha o ciclo, permitindo ao país reforçar sua política de saúde apostando no futuro.
FONTE: http://jornalggn.com.br/noticia/brasil-2015-a-politica-industrial-da-saude

terça-feira, 26 de novembro de 2013

"Inovação brasileira, impacto global".

Publicado em 12/11/2013, no jornal A Folha de São Paulo, intitulado:  Inovação brasileira, impacto global. Assinado por Carlos Gadelha e Trevor Mundel.


A entrada da vacina brasileira contra sarampo e rubéola no mundo ampliará a oferta de um produto capaz de evitar cerca de 158 mil mortes por ano 


"Se quiser ir rápido, caminhe só. Mas se quiser ir longe, caminhe junto." O provérbio africano descreve bem a colaboração entre o Ministério da Saúde do Brasil e a Fundação Bill & Melinda Gates, que acabam de celebrar duas importantes parcerias científicas capazes de colocar o espírito brasileiro de inovação a serviço da saúde global. 

A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e a Fundação Gates firmaram o primeiro acordo para desenvolver uma vacina de alta qualidade e de baixo custo para prevenir sarampo e rubéola em alguns dos países mais pobres do mundo. 

A iniciativa se baseia no sucesso do programa nacional de imunização e estabelece um marco. É a primeira vez que uma vacina brasileira é desenvolvida com foco específico nos mercados globais. 

As parcerias que vêm se consolidando entre a Fundação Gates e o Ministério da Saúde são fruto das inovações introduzidas ao longo da história pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Brasil foi um dos primeiros países a tornar o acesso à saúde um direito constitucional e a garantir ampla cobertura vacinal a toda a sua população infantil e tratamento de HIV/Aids a todos os cidadãos portadores do vírus. 

Como atende mais de 145 milhões de pessoas, o sistema de saúde brasileiro é uma sólida plataforma para a introdução de inovações em escala que sejam transformadoras para os brasileiros e que possam ser replicadas em outros países. 

O Brasil e a Fundação Gates compartilham o objetivo de buscar soluções inovadoras e economicamente acessíveis que tenham um impacto duradouro. A ideia é que elas possam ser introduzidas em larga escala tanto no Brasil quanto em outros países onde os altos custos das tecnologias representam um obstáculo à sustentabilidade dos serviços de saúde. 

A entrada da nova vacina brasileira contra sarampo e rubéola no mercado, por exemplo, ampliará a oferta de um produto capaz de evitar cerca de 158 mil mortes por ano, a maioria de crianças com menos de cinco anos de idade. 

Com o programa de financiamento de pesquisas "Grand Challenges" (Grandes Desafios), da Fundação Gates, os objetivos são mais ambiciosos e o potencial para salvar vidas, ainda maior. 

Os projetos atualmente financiados nas áreas de saúde, agricultura e desenvolvimento abordam uma grande variedade de temas --de soluções para transformar fossas sépticas em solo fértil a tecnologias naturais para controlar a dengue. 

Formada por tijolos que se decompõem naturalmente no ambiente, a fossa do futuro, desenvolvida por um cientista brasileiro, é capaz de transformar solo contaminado em terra fertilizada para agricultura. Uma solução engenhosa que ataca ao mesmo tempo dois urgentes desafios para o desenvolvimento: melhoria do saneamento e promoção da agricultura familiar. Se bem-sucedido, esse tipo de fossa poderá ser utilizado em áreas rurais do Brasil e em países em desenvolvimento. 

Outra empreitada, dessa vez para controlar a dengue, está sendo desenvolvida por cientistas brasileiros e de quatro outros países. A ideia é introduzir nos mosquitos "aedes aegypti" uma bactéria facilmente encontrada no ambiente capaz de bloquear a transmissão da doença, impedindo centenas de milhares de infecções no Brasil e em regiões do planeta onde ela representa um grave problema de saúde. 

O potencial de impacto desses projetos é o motor da nossa parceria. Somando nossas ideias e recursos, é possível acelerar novas pesquisas. A inovação pode ser uma alavanca importante para nos levar, juntos, mais longe. 


CARLOS AUGUSTO GRABOIS GADELHA, 52, é secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde 
TREVOR MUNDEL, 53, é presidente de saúde global da Fundação Bill & Melinda Gates

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

SUS economiza com parcerias.

Do "Brasil Econômico". Jornalista Patrycia Monteiro Rizzotto.

"O programa de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) entre laboratórios farmacêuticos públicos e privados, fomentado pelo Ministério da Saúde, começa a dar seus primeiros resultados, quatro anos após a sua implantação. Com o estabelecimento de seu marco legal em 2011 - a partir de mudanças feitas na lei 8.666, que estabelece critérios para as compras governamentais - o projeto ganhou força e hoje, aliado à centralização das aquisições do Sistema Único de Saúde (SUS), gera uma economia anual de R$ 3 bilhões no orçamento federal.


Atualmente, há 88 contratos de PDPs em vigor no país, envolvendo 70 laboratórios parceiros, sendo 17 públicos e 53 privados entre eles, gigantes farmacêuticas como Pfizer, Glaxo Smith Kline e Novartis. Na prática, essas parcerias vêm permitindo a transferência de tecnologia na fabricação de 64 medicamentos e seis vacinas, todos estratégicos para atendimento do
SUS.


"O programa de PDPs tem como meta tirar o Brasil da condição de mero mercado consumidor, elevando o valor agregado da produção nacional de medicamentos", afirma 
Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, mencionando que o programa visa reduzir a dependência externa de medicamentos, internalizando tecnologias, incentivando a inovação na indústria nacional. "Queremos transferir 100% da tecnologia, garantindo que medicamentos estratégicos para o SUS sejam produzidos aqui no Brasil."


De acordo com Gadelha, o Brasil é hoje o sexto maior mercado mundial de remédios e equipamentos na área da saúde, com seus quase 200 milhões de habitantes. Contudo, em 2012, o país registrou US$ 11 bilhões em déficit comercial desses produtos. "Com as PDPs, esse déficit já parou de crescer. Agora queremos reduzi-lo a uma média de US$ 3 bilhões anuais daqui a quatro anos, quando as PDPs estarão operando a pleno vapor", explica.


Outro objetivo do programa é diminuir os preços de produtos estratégicos na área da saúde, como vacinas, medicamentos para câncer, saúde da mulher, saúde mental e doenças crônicas. "Só nos últimos três meses, foram assinadas 26 novas parcerias entre laboratórios públicos e privados, que vão permitir a fabricação de produtos biológicos de última geração, para câncer, artrite reumatoide, diabetes, cicatrizante cirúrgico, hormônio de crescimento, vacina alergênica e contra o HPV", conta Gadelha, acrescentando que o projeto permite absorver a tecnologia para fabricar aparelhos auditivos, contraceptivos intrauterinos e equipamentos de radioterapia nos laboratórios públicos. Segundo ele, uma das mais recentes conquistas do programa foi a transferência de tecnologia da Merck Sharp & Dohme para o Instituto Butantan, que visa levar a vacina contra o HPV (vírus responsável pelo câncer do colo de útero) para o
SUS a partir de 2014.


O secretário do 
Ministério da Saúde explica que a garantia de mercado é uma das maiores vantagens oferecidas pelo programa de PDPs aos laboratórios da iniciativa privada. Pelos contratos, as empresas transferem tecnologia aos laboratórios públicos e ganham participação nas vendas dos medicamentos ao SUS. "Ao invés de direcionar boa parte de seus investimentos ao marketing e à propaganda, a empresa pode assumir mais os riscos tecnológicos, direcionando mais recursos para as áreas de pesquisa e inovação", diz. Para ampliar a capacidade interna de fabricação, o programa de PDPs tem aplicado recursos nos laboratórios públicos nacionais. Em 2012, o Ministério da Saúderepassou R$ 271 milhões ao segmento. Até 2015, serão cerca de R$ 1 bilhão.


Um dos grandes laboratórios participantes do programa de PDPs é a Novartis, que selou uma parceria com a Fundação para o Remédio Popular (FURP), de São Paulo. De acordo com Patrick Eckert, gerente geral da área de oncologia da Novartis, o contrato de cinco anos prevê a transferência de tecnologia que vai permitir a produção do medicamento Afinitor, para tratamento de câncer de mama metastático. "No início da parceria teremos participação de 50% nas receitas das vendas para o 
SUS. Mas nossa participação será zero após o período contratual". Eckert diz que o modelo de parceria criado pelo governo brasileiro é inédito no mundo e que está afinado com os projetos de responsabilidade social de sua companhia.



Por contrato, a Novartis só pode comercializar seu medicamento patenteado no mercado privado, enquanto a FURP fica com o mercado público. "Para nós, a transferência de tecnologia em si já é um grande ganho", celebra Flávio Vormittag, superintendente da FURP. Além da parceria com a Novartis, a Fundação para o Remédio Popular assinou contrato com a EMS". 

domingo, 25 de novembro de 2012

Livro trata da dinâmica do sistema produtivo da saúde.


Saúde: espaço de nexos entre direito social e dinamismo econômico
 
Texto de: Fernanda Marques
"Para que, no futuro desejado, conforme-se no Brasil um sistema de saúde universal, integral e equânime, o Estado deve ter um papel decisivo na articulação das duas dimensões da saúde: a social e a econômica. É o que defendem os autores do livro A Dinâmica do Sistema Produtivo da Saúde: inovação e complexo econômico-industrial, lançamento da Editora Fiocruz. Um Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) frágil não atende às exigências de elevação da competitividade brasileira no cenário internacional. Mas não é só isso: essa fragilidade afeta sobremaneira a capacidade de resposta às necessidades sanitárias da população. “Gostaríamos que esta publicação se configurasse, sobretudo, como um convite para o debate e para o fortalecimento deste campo científico, com um padrão de desenvolvimento que articule, ao mesmo tempo, o dinamismo econômico com os direitos sociais e a conformação de um Estado de bem-estar no Brasil”, diz o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos A. Grabois Gadelha, coordenador do livro.
O livro apresenta a dinâmica dos investimentos no complexo produtivo da saúde, no mundo e no Brasil, analisando seus diferentes subsistemas: de base química e biotecnológica; de base mecânica, eletrônica e de materiais; e de serviços de saúde. Ao final, traz uma síntese analítica e discute políticas para o desenvolvimento do CEIS. Este é formado por indústrias farmacêuticas (de fármacos, medicamentos, vacinas, hemoderivados e reagentes para diagnósticos), industrias de equipamentos médicos e insumos, e setores de prestação de serviços (hospitais, ambulatórios e serviços de diagnósticos e tratamentos). Além dos segmentos industriais e de serviços, o CEIS reúne também o Estado, instituições de ciência e tecnologia, agências de regulação, a sociedade civil organizada e a população.

Essa multiplicidade de atores é um reflexo das peculiaridades da saúde, área que congrega alto potencial de geração de conhecimentos científicos, importante base econômica, consumo de massa e destacada presença do Estado na regulação e na promoção de atividades de inovação. A saúde responde por cerca de 20% do gasto mundial com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Entretanto, 96% desse gasto ocorrem nos países de renda alta: os restantes 4% se dividem entre todos os demais países, inclusive o Brasil. Outra diferença é o perfil do gasto: nos países desenvolvidos, ele vem, sobretudo, das empresas, o que não se verifica no Brasil. Aqui, apesar da crescente produção científica de circulação internacional e da significativa formação de doutores e recursos humanos em saúde, o baixo comprometimento do setor empresarial com as atividades de P&D enfraquece o Ceis.
Como consequência, acentua-se no país o déficit comercial em saúde, que chegou a US$ 10 bilhões em 2011, sobretudo em produtos de maior densidade tecnológica. “A reduzida inserção empresarial nas atividades produtivas de maior densidade tecnológica e nas atividades de P&D e de inovação torna vulneráveis tanto a competitividade do sistema produtivo quanto a política nacional de saúde e a perspectiva de um sistema de proteção social universal”, argumentam os autores. Essa vulnerabilidade se torna mais evidente ao considerar que, no Brasil, enquanto o gasto em P&D é feito, principalmente, pelo Estado, o gasto em saúde é, predominantemente, privado.
Na maior parte dos países Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o gasto público responde, em média, por 71% do gasto total em saúde. No Mercosul, esse percentual é de 55,6% e, no Brasil, especificamente, ele cai ainda mais, para 44%. Este dado revela uma inconsistência em relação aos preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS). Reforça também a necessidade de um acentuado aumento do financiamento público dos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, do fortalecimento da base produtiva nacional – afinal, conforme defendido no livro, as bases industriais e de serviços estão fortemente interligadas.
Identifica-se, pois, uma dupla fragilidade: por um lado, a base produtiva nacional da saúde está assentada em produtos e processos de menor densidade tecnológica; por outro, parcela expressiva da população não tem acesso a bens e serviços de saúde. E esse quadro pode ainda se agravar, visto que a dinâmica demográfica e epidemiológica aponta para transformações nas necessidades de saúde. O envelhecimento da população e o aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas criam novas demandas para a área da saúde, com impacto sobre sua base produtiva.
Responder a essas demandas é um desafio, sobretudo em um mercado global altamente competitivo, marcado por aquisições e fusões de grandes empresas, que dominam a biotecnologia e outros segmentos intensivos em tecnologia. O desafio, contudo, vem acompanhado por oportunidades para que o Brasil fortaleça seu complexo produtivo da saúde, uma vez que se observam: a tendência de crescimento do mercado nacional e do mercado público; a existência de um parque de bens industriais e de serviços instalado no país; o ambiente político favorável; o ambiente regulatório relativamente organizado; e uma base científica avançada no campo da saúde.

Para aproveitar essas oportunidades, é necessário pautar ações de longo prazo para o desenvolvimento do CEIS em perspectiva estratégica. Nesse sentido, os autores comentam ações como o novo Profarma (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica); os Fundos Setoriais e os mecanismos de subvenção econômica para fomento às atividades de C&T nas empresas; o programa Mais Saúde; as mudanças do marco regulatório no âmbito do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde; o avanço normativo na Anvisa; e a atuação do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual, entre outras.
Reconhecendo que a tensão entre o interesse privado e o público, inerente ao capitalismo, se expressa de modo incisivo no desenvolvimento do CEIS, o livro reafirma a necessidade de políticas e ações que estabeleçam nexos entre as dimensões econômica e social da saúde. Além de Carlos A. Grabois Gadelha, assinam a obra José Maldonado, Marco Vargas, Pedro R. Barbosa e Laís Silveira Costa, todos pesquisadores do Grupo de Inovação em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). O livro, elaborado no âmbito da Fiocruz, representa uma versão revista e atualizada da análise sobre o complexo produtivo da saúde que integrou o projeto Perspectivas de Investimento no Brasil, desenvolvido pela UFRJ e Unicamp, em parceria com o BNDES."
 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Desenvolvimento e saúde - Artigo do Sec. Carlos Gadelha



Artigo publicado no Jornal Valor Econômico de 21 de setembro de 2012.

Carlos Augusto Grabois Gadelha
Para o Valor, de Brasília


É crescente a vulnerabilidade dos sistemas universais de saúde, pelas condições concretas de dificuldade de incorporação de tecnologias essenciais para a promoção, a prevenção e a atenção à saúde. O progresso técnico, reconhecido como base do desenvolvimento desde Adam Smith, Marx e Schumpeter, e todos os pensadores estruturalistas, como Celso Furtado, traz, simultaneamente, o risco de cindir a sociedade e acirrar a desigualdade entre os que têm acesso e os que não têm acesso às novas tecnologias.


Esse contexto histórico aponta para a necessidade de recuperação de uma abordagem estruturalista e de economia política para a construção de uma nova agenda, que articule desenvolvimento e saúde de modo mais complexo e abrangente e que permita atualizar os grandes objetivos da reforma sanitária brasileira, que inscreve a saúde como direito na Constituição de 1988, no cenário de uma globalização fortemente assimétrica, de revolução tecnológica e de (re)colocação da situação de dependência no campo da saúde.


É como se tivéssemos chegado a um limite em que o país enfrenta os novos e velhos fatores que reproduzem um círculo vicioso entre iniquidade e dependência tecnológica em saúde. A dimensão econômica e a dimensão da saúde como direito são interdependentes e sua integração faz parte de uma nova visão e de uma nova política.


A associação entre saúde e desenvolvimento pela via linear de sua contribuição para o capital humano e para a produtividade geral da economia embute dois riscos. Existe a possibilidade de aparecerem estudos com evidências estatísticas de que a saúde não seja tão funcional assim para o crescimento econômico, como de fato ocorreu em parte da literatura do início deste século. E se os países pudessem crescer - como os casos da China ou da Índia ilustram - com condições sanitárias perversas? O direito à saúde perderia legitimidade?


O segundo risco, também grave, é de que se passe a ver o processo de desenvolvimento como suave, sem conflitos, sem mudanças estruturais, bastando que aos esforços do investimento em capital físico se acrescente um esforço no investimento social e na saúde, em particular, não fazendo sentido pensar em assimetrias estruturais e em dependência tecnológica.


O complexo econômico-industrial da saúde é chave em um novo pacto, que vise construir um Estado de bem-estar contemporâneo


Todavia, relatório produzido pela Organização Mundial de Saúde (Macroeconomia e saúde: investindo na saúde para o desenvolvimento econômico/2001) deixou os comprometidos com a saúde quase em estado de euforia, mesmo com os riscos apontados. Enfatiza que a saúde é um fim em si e, além disso, é um fator favorável ao desenvolvimento econômico. Neste aspecto, ressalta, sobretudo, regiões com condições de saúde explosivas, como a epidemia de aids na África Subsaariana, indicando que a carga de doenças relacionadas a essa doença é de tal envergadura que limita qualquer possibilidade de crescimento econômico e de desenvolvimento.


Essa percepção é seguida em diversos outros trabalhos com foco especial na África Subsaariana, voltando a enfatizar a questão do impacto da aids na economia, como se a região fosse desenvolvida antes dessa doença ou tivesse alguma trajetória de desenvolvimento abortada. Com relação à questão tecnológica, limitam-se a propor a utilização de tecnologias de baixo custo e complexidade para o combate a doenças de alto impacto epidemiológico.


A relação entre saúde e desenvolvimento acaba reduzida à visão de que a saúde requer apoio por ser elemento inerente às políticas sociais básicas, que também gera efeito indireto sobre o crescimento econômico, decorrente apenas de sua dimensão social, implicando a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do ambiente geral para investimentos.


A agenda estrutural que envolve o padrão nacional de desenvolvimento, a concentração regional e pessoal da renda e a fragilidade de nossa base produtiva em saúde ficam completamente subsumidas nessa agenda genérica extremamente empobrecedora.


É preciso repensar a agenda, privilegiando os fatores histórico-estruturais que caracterizam nossa sociedade - o passado escravista e colonial e a conformação de uma sociedade desigual - e nossa inserção internacional e sua relação com uma difusão extremamente assimétrica do progresso técnico e, nos termos atuais, do conhecimento e do aprendizado, dissociados das necessidades locais.


É nesse campo que se dá o corte entre uma visão liberal e o pensamento desenvolvimentista. O tema saúde e desenvolvimento deve ser trabalhado a partir das necessidades de mudanças estruturais profundas em nossa sociedade. Torna-se relevante e diferenciadora a necessidade de uma economia política da saúde.


A agenda de saúde tem que sair de uma discussão intrínseca, insulada e intrassetorial e entrar na discussão do padrão do desenvolvimento brasileiro. Ou seja, implica pensar sua conexão estrutural com o desenvolvimento econômico, a equidade, a sustentabilidade ambiental e a mobilização política. A saúde se torna, assim, parte endógena da discussão de um modelo de desenvolvimento.


É nessa perspectiva analítica que se coloca a capacidade de aprendizado e de inovação em âmbito produtivo como fatores críticos para o desenvolvimento. Não se trata de discutir inovação porque é moderno ou porque as empresas que lideram o mercado mundial são intensivas em conhecimento e inovação. O que se discute é a dinâmica e os rumos de um novo padrão de desenvolvimento, remetendo para pensarmos qual padrão tecnológico e quais rumos e necessidades de transformação na base produtiva uma sociedade dinâmica e menos desigual requer.


O avanço do país no desenvolvimento com equidade envolve uma grande diferenciação do sistema produtivo (o que caracteriza a inovação) e uma forte expansão do mercado interno de massa, incorporando segmentos enormes da população. É certo que essa base nacional pode ser uma alavanca para as exportações. Todavia, é necessário colocar essas dimensões em seu devido lugar - caso contrário, continuaremos repetindo que outros países emergentes devem vistos como modelo por possuírem indústrias competitivas e exportadoras na saúde, tendo, como detalhe, um povo pobre e uma sociedade excludente e um sistema de saúde muito inferior ao brasileiro. Definitivamente, ou a inovação está incorporada na mudança do padrão de desenvolvimento ou perde o sentido.


É nessa dimensão que se coloca o tema do complexo econômico-industrial da saúde - (sistema produtivo farmacêutico, de equipamentos e materiais e de serviços de saúde), assumido nas estratégias recentes de política de desenvolvimento e consolidando-se com o aparato normativo do Brasil Maior.


O que se aponta é a necessidade de uma mudança profunda na estrutura econômica, que permita, mediante intenso processo de inovação, adensar o tecido produtivo e direcioná-lo para compatibilizar a estrutura de oferta com a demanda social de saúde.


A saúde possui dupla dimensão na sua relação com o desenvolvimento. É parte do sistema de proteção social, constituindo um direito de cidadania. E a base produtiva em saúde - de bens e serviços - constitui um conjunto de setores que geram crescimento e têm participação expressiva no PIB e no emprego formal (respectivamente, em torno de 9% e de 10%), que podem representar uma diferenciação profunda da estrutura produtiva. Essa diferenciação, que representa enorme esforço de inovação, é fundamental para viabilizar o consumo social de massa de bens e serviços, contribuindo para dotar o país de uma base produtiva adequada para uma sociedade mais equânime.


Os anos 1990 foram uma tragédia para nossa base produtiva e de inovação em saúde. Na medida em que o acesso à saúde se amplia, nos tornamos mais dependentes nos segmentos de maior densidade de conhecimento, com o déficit comercial saltando do patamar de US$ 1 bilhão no final dos anos 1980 para mais de US$ 10 bilhões no presente, considerando fármacos, medicamentos, equipamentos, materiais e dispositivos médicos. Essa questão econômica é uma questão de saúde pública, ao tornar nossa política social estruturalmente vulnerável.


As ideias e políticas que permeiam a noção do complexo econômico-industrial da saúde constituem um esforço para costurar o elo saúde-desenvolvimento retomando uma perspectiva estruturalista contemporânea, que incorpora os dois grandes pontos frágeis de nosso modelo de desenvolvimento: uma estrutura produtiva pouco densa em conhecimento - agora a assimetria não é mais entre indústria e agricultura, mas entre atividades densas em conhecimento e atividades sem grande valor agregado - e um sistema econômico e social ainda desigual.


O desafio que se coloca para o aprofundamento da reforma sanitária em bases contemporâneas é o de pensar, articular e implementar os princípios constitucionais de universalização, de equidade e de integralidade do sistema de saúde com uma transformação profunda da base produtiva, tendo o complexo da saúde como um elo forte e estratégico da economia. Essa transformação implica elevar o peso dos segmentos produtivos de bens e serviços de saúde que atendem a demandas sociais e que incorporam um grande potencial de inovação e de transformação advindo das ciências da vida. Todos os paradigmas tecnológicos que marcam a nova assimetria global se expressam de modo importante na área da saúde, com destaque para a biotecnologia, a química fina, os novos materiais, a eletrônica e todo o conjunto de práticas médicas nos serviços em que a produção se realiza.


Com isso, supera-se o tratamento insulado e setorial da saúde e o debate (restrito) em torno de sua funcionalidade para o crescimento, inserindo a área de modo endógeno no debate político sobre o padrão de desenvolvimento desejado. Essa perspectiva pode implicar tanto a simplificação de diversas tecnologias utilizadas no sistema quanto sua complexificação. Para sermos coerentes com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e com os requerimentos dos novos paradigmas tecnológicos, a definição das tecnologias estratégicas para o país não pode permitir a segmentação entre práticas sofisticadas e adequadas para alguns e práticas simples para a maioria da população.


A saúde é a área mundial que concentra os maiores esforços em pesquisa e desenvolvimento, em conjunto com a área de defesa, respondendo isoladamente por cerca de 25% de toda despesa mundial com inovação. A questão geral que divide as nações entre o mundo desenvolvido e os outros mundos se expressa de forma arrebatadora na área da saúde, evidenciando que somos parte não autônoma de um determinado modelo histórico de desenvolvimento.


Articular saúde e desenvolvimento remete para a necessidade de pensar o padrão geral de desenvolvimento e como ele se expressa e se reproduz no âmbito da saúde. Isso não constitui perda de foco sobre o tema saúde. Reconhece-se, sim, que somos parte de um determinado sistema capitalista, num país tecnologicamente dependente e com uma estrutura social e econômica desigual e com fragilidades estruturais marcantes.


Com essa perspectiva, trata-se de assumir que as perspectivas de transformação nacional também existem e se refletem na saúde, tanto em sua dimensão política e social quanto em sua dimensão econômica. Mais ainda, no âmbito de um novo modelo de desenvolvimento, a saúde constitui uma das atividades em que é possível - se bem que não necessariamente - articular a busca de equidade social e regional com o dinamismo econômico a longo prazo, que caracterizam o processo de desenvolvimento de um ponto de vista substantivo.


Após a crise do padrão de desenvolvimento do pós-guerra, do fracasso das experiências neoliberais na política nacional e no contexto da crise financeira global, o momento se mostra adequado para um novo pacto político, social e econômico, retomando-se a perspectiva de se construir um Estado de bem-estar contemporâneo, que recupere antigas promessas e enfrente novos desafios. A política para o complexo econômico-industrial da saúde certamente faz parte dessa aposta.


Carlos Augusto Grabois Gadelha é secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, ex-vice-presidente de Produção e Inovação da Fiocruz e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Complexo Industrial e Inovação em Saúde da Fiocruz.