sábado, 6 de novembro de 2010

A polêmica sobre Monteiro Lobato

Monteiro Lobato é alguém de quem devemos nos orgulhar. Nascido em 18 de abril de 1882 (só por curiosidade, ano da primeira Lei de Propriedade Intelectual do Brasil – Lei 3129), José Bento Monteiro Lobato, entre várias virtudes, foi precursor da literatura infantil no Brasil. Escreveu vários livros e criou personagens inesquecíveis, entre eles Narizinho, Pedrinho, Visconde de Sabugosa e Emília.
Uma curiosidade sobre Monteiro Lobato foi a preocupação com a Saúde Pública, vindo a aderir a campanha sanitarista do início do Século XX. Escreveu diversos artigos para o jornal “O Estado de São Paulo”, denunciando as dificuldades e precariedades da saúde das populações rurais.
Para os farmacêuticos, escreveu um lindo texto sobre o papel desses profissionais, intitulado “O Papel do Farmacêutico”:
“O papel do Farmacêutico no mundo é tão nobre quão vital. O Farmacêutico representa o órgão de ligação entre a medicina e a humanidade sofredora. É o atento guardião do arsenal de armas com que o Médico dá combate às doenças. É quem atende às requisições a qualquer hora do dia ou da noite. O lema do Farmacêutico é o mesmo do soldado: servir.
Um serve à pátria; outro serve à humanidade, sem nenhuma discriminação de cor ou raça. O Farmacêutico é um verdadeiro cidadão do mundo. Porque por maiores que sejam a vaidade e o orgulho dos homens, a doença os abate - e é então que o Farmacêutico os vê. O orgulho humano pode enganar todas as criaturas: não engana ao Farmacêutico. O Farmacêutico sorri filosoficamente no fundo do seu laboratório, ao aviar um receita, porque diante das drogas que manipula não há distinção nenhuma entre o fígado de um Rothschild e o do pobre negro da roça que vem comprar 50 centavos de maná e sene.”

Agora envolto em uma grande polêmica, Monteiro Lobato é chamado de racista por alguns e defendido por outros, devido a época de seus escritos, em virtude de frases existentes no livro “Caçadas de Pedrinho” (1933). Ocorre que o Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendou que este livro não fosse distribuído nas escolas públicas estaduais, após ser alertado por militantes da defesa da igualdade racial. Um dos trechos do livro que motivou o debate foi uma fala do Pedrinho, ao se referir a Tia Nastácia: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”

Acompanhando os fatos, gostaria de expor algumas reflexões:

Em primeiro lugar, a mídia exagerou em suas manchetes, quando da divulgação do assunto. Usaram a palavra censura, por parte do CNE, ao escritor. Na verdade, o debate se dá especificamente sobre sua obra e não sobre Monteiro Lobato.

A discussão não está em se o autor era racista ou não. A questão está sobre o livro a ser usado em escolas públicas, com passagens que podem destampar o potinho do preconceito, que infelizmente ainda existe. Não existem outras obras a serem indicadas? Com certeza existem!

Em tempos de repressão a prática do Bullying (que os leitores me perdoem, mas como tento evitar a adoção de termos em inglês, criei um sigla para isso: AECTPP -  Aporrinhamento extremado causador de traumas psicológicos profundos), este texto não poderia gerar possível incomodação aos estudantes afro descendentes? Todos sabemos que crianças chegam a ser “ácidas” ao criar apelidos baseados nas características de alguns. No meu tempo de escola, tínhamos um grupo de amigos, os quais não me recordo dos nomes, apenas como eram chamados: Zóio (devido a um pequeno estrabismo), Feio (por ser desprovido de beleza), Caveira (pelo perfil esguio), Telerj (em virtude de suas orelhas de abano, fazendo alusão aos orelhões públicos) e o Mija na Bota (este eu não sei o porque, só me lembro que ficava bravo quando chamado assim).

Bem, o debate está colocado. Viva Monteiro Lobato, viva a igualdade racial, viva o combate ao preconceito!

8 comentários:

Renata Bruno disse...

Oi Marco,
Finalmente vou dar pitaco no seu blog...
Essa história com a Monteiro Lobato está enchendo um pouco o saco.
O racismo é muito, mas muitíssimo mais que a referência à cor da pele de alguém. Que me perdoe o pessoal do movimento negro, mas não falo afro-descendente nem a pau. Assim como não chamo careca de cidadão com necessidades capilares especiais , ou loiros como nórdico-descendentes, enfim,poderia ir por aí além..
O racismo, para mim é a terrível idéia que alguém, em razão da cor de sua pele, ou dos seus olhos, ou seu cabelo, seja classificado como pior ou melhor que outro alguém. Tia Nastácia era negra, como negras eram e são milhares de mulheres admiráveis que desempenham a gloriosa tarefa de alimentar, cuidar e limpar casas. O problema para mim não é o negro ser negro. O problema é o negro valer menos e não ter acesso a mais nenhuma outra possibilidade em função da cor de sua pele. Isso é que preocupa e não podemos tolerar. Monteiro Lobato, ao contrário, transformou esta mulher negra num personagem memorável, cheio de carinho e sabedoria, amado pelas crianças há mais de 70 anos.
Beijo

Silvia A.Pereira disse...

Querido blogueiro, lendo seu texto tento a acreditar que Monteiro Lobato, escritor que norteou minha infância, não pretendia com seus textos discriminar, ou até mesmo ser preconceituoso. No entanto, me preocupa o fato de que tal texto possa permitir que crianças, ofendam outras baseadas em tal escrito. Até pq todos sabemos que criança é adoravel, mas que não existem seres mais crueis do que elas (que pensam e dizem o que querem sem nenhum critério). Digo isso, pois infelizmente ainda vivemos em uma sociedade intolerante, em que os pais transmitem aos filhos seus preconceitos e estes o reproduzem.Por fim adorei o termo AECTPP -Aporrinhamento extremado causador de traumas psicológicos profundos.rs

Anônimo disse...

Dificil, mas trata-se de expressão racista. Mas será que não poderia ser usada como exemplo de como havia e há racismo no Brasil.
Precisa debater mais a respeito da retirada do livro...

Diego Iraheta disse...

Dr. Marco, gostei de sua posição acerca do texto de Monteiro Lobato. Assim como o Movimento Negro, eu milito em prol de ações afirmativas, pois tenho total convicção - e constato isso diariamente - de que negros no Brasil continuam em papéis de subordinação e subserviência. Reconheço o quanto essa comparação dolorosa e absurda - negro e macaco - ainda é recorrente (especialmente em torcidas nos jogos de futebol). Porém, creio que o livro de Monteiro Lobato (que nunca li, só assisti) poderia servir a um propósito bastante pedagógico e transformador se fosse utilizado coerentemente pelas escolas. Ou seja, se os estudantes rissem da expressão "macaca" ou se comparassem com o coleguinha negro, o professor deveria intervir e discutir igualdade racial. Assim, "Caçadas de Pedrinho" poderia servir para debater e PROMOVER a igualdade racial. Acredito que o bullying ou apurrinhação não é fácil de ser combatido, mas o reconhecimento de que ele existe e a discussão dele em sala de aula pode contribuir com a elaboração de políticas sérias em escolas públicas e particulares para evitar que crianças e adolescentes fiquem frustrados por não se enquadrarem no estereótipo "normal". Bueno, es eso. Abraços!

Helen Lima disse...

Marco,

Não vejo motivo para vetar a obra de Monteiro Lobato. É preciso considerar a época em que o livro foi escrito, e serve para mostrar como houve uma certa evolução da sociedade brasileira, desde o período da escravatura. Evolução essa que passa por matar passarinhos com estilingue e fumar em sala de aula, como faz um professor do seriado mexicano Chaves.

Davi Barreto disse...

Enalteço a parte em que fala do personagem Tia Anastácia.
Realmente é um personagem de extrema sabedoria em todos os livros do Sítio (principalmente sabedoria popular) e não creio que esta simples frase desmereça a construção deste personagem.

Unknown disse...

Deixando meu pitaco aqui tambem.
Bom, mais uma vez, Parabens Marco, por trazer ao seu blog mais uma materia de grande valor, e um importante debate. Sim, a AECTPP (adorei a versão brasileira, muito mais criativa)realmente é algo delicado, que traz consequencias drasticas às crianças. Monteiro Lobato, sabidamente conhecido por suas obras infantis, imortalizado, a meu ver sua literatura nao deve ser enquadrada como causadora de preconceito, nao acredito que aquela visão tratada seja a visão dele no momento de escrever seu trecho falando sobre a Tia Nastácia, sendo ela uma personagem tao querida pelas crianças da obra.
Concordo, toda forma de racismo, ou outra forma de preconceito, deve ser combatido,evitado e eliminado. O preconceito é uma mancha que a sociedade nao precisa, a diversidade na sociedade é nitida, a todos nós cabe aceitar e conviver com toda a forma de diferença.
Deixo comentado tambem o memoravel texto: "O papel do farmaceutico" me emocionei a primeira vez que li esse texto, logo na primeira semana da faculdade.

JFpharma disse...

Não acho o comentário racista... é engraçado... a gorda é baleia ou elefante, o orelhudo é telesp, o magro é poste, a namoradeira é vaca... racismo não é só a questão da cor... racismo é rotular alguém como inferior por causa do fenótipo ou genótipo... é preconceito... e a agressão nas escolas ou trabalho tem a mesma origem...

Cada etnia tem sua beleza e deve ter sua auto estima.

Ninguém é inferior a ninguém perante Deus... o fato de ter mais ou menos melanina, de ser orelhudo, queixudo, gordo ou magro, nada disso justifica o preconceito. Devemos aprender a ver beleza na diversidade e abrir a cabeça.

Lembremos que as pessoas são diferentes e temos gostos diferentes. O que é feio para alguns é lindo para outros, ai que ta o barato da coisa...