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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

‘A nova Política Nacional de Atenção Básica é uma volta ao passado’, diz pesquisadora da Fiocruz



EXTRAÍDO DO SITE AGÊNCIA.FIOCRUZ.BR


Em reunião realizada na quinta-feira (31/8), a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) aprovou o texto da nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). O texto, que foi submetido à consulta pública entre os dias 27 de julho e 10 de agosto, vinha sendo alvo de críticas por parte de entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), e também de instituições como a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que durante o período da consulta pública apresentou um documento com contribuições à proposta de revisão da PNAB. Segundo Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da EPSJV, que acompanhou pela internet a reunião, foram mais de 6 mil contribuições recebidas através da consulta pública, mas pouca coisa foi incorporada ao texto final. Algumas alterações, diz ela, inclusive aprofundaram aspectos da nova política que vinham sendo criticados, como a falta de prioridade dada à Estratégia de Saúde da Família e a ausência de um compromisso, previsto na PNAB anterior, com a cobertura de 100% da população. Nesta entrevista, a pesquisadora fala sobre estes e outros pontos que ela considera mais críticos da nova PNAB aprovada pela CIT.
EPSJV/Fiocruz: A minuta com a proposta de revisão da Pnab foi submetida a uma consulta pública que ficou aberta entre os dias 27 de julho e 10 de agosto. Em que medida o texto aprovado pela CIT incorporou as contribuições feitas no período?

Márcia Valéria Morosini: O que chama atenção na reunião da tripartite foi a rapidez da aprovação. Houve uma apresentação por parte do diretor da Atenção Básica sobre o que foi incorporado. O que foi dito é que só foram incorporadas aquelas contribuições que foram ao âmago da questão, sem dizer que âmago era esse.  Mas em primeiro lugar, considerando o tempo exíguo da consulta pública, é difícil você efetivamente obter uma organização e um debate suficiente para enfrentar um texto que, segundo eles, está sendo trabalhando há dois anos. O público em geral teve no máximo 15 dias para poder opinar. Apesar disso a questão da participação foi muito reiterada nessa reunião. Foi dito que foram dois anos de elaboração do texto, com longos debates, ampla participação. Mas não houve ampla participação. A participação foi seletiva, a discussão foi restrita. Então a gente questiona esse processo de revisão da PNAB e percebe que aquele momento da tripartite era somente formal. Os atores já tinham sua posição construída e deliberam muito rapidamente, foi questão de minutos. Foram poucas as contribuições que se transformaram em modificações no texto. Mas as modificações que vieram não mudam o sentido da política. As poucas alterações que foram apresentadas, na minha opinião, pioram o texto no sentido de explicitar o sentido restritivo que as mudanças colocam para a atenção à saúde na Atenção Básica.

EPSJV/Fiocruz:  Como assim?

Márcia Valéria Morosini: Por exemplo, uma crítica que a gente fez muito foi com relação ao fato de que no texto da nova PNAB se retira o único momento em que na antiga PNAB, de 2012, a Atenção Básica se comprometia com a cobertura de 100% da população. É curioso, porque essa referência estava associada aos agentes comunitários de saúde na antiga PNAB. Nela está definida a composição da equipe de agentes comunitários de saúde, que era uma estratégia transitória para a implementação da Estratégia de Saúde da Família, com um número mínimo de quatro ACS e um máximo de 12 para o atendimento de 100% da população, com, no máximo, 750 pessoas por ACS. Que dinâmica essa conta traz para a composição das equipes e para a cobertura? Cada vez que eu atingir o número máximo possível de ACS com base no número máximo de pessoas que o ACS pode atender, eu abro outra equipe, porque meu horizonte é 100% de cobertura. Se eu não tenho esse horizonte, o que vai determinar o número de ACS? O que vai determinar o número de equipes a serem implantadas? Então como é que eles dizem que resolveram essa questão, que eles chamam de “falsa polêmica”? Eles colocam que o número de ACS deve ser suficiente pra cobrir 100% da população, só que somente das áreas vulneráveis, só das populações em condições de maior risco à saúde.

EPSJV/Fiocruz:  Quais são as populações vulneráveis?

Márcia Valéria Morosini: Não está definido. Vulnerabilidade, risco, são categorias com as quais a saúde pública trabalha o tempo inteiro, mas não pra excluir pessoas da atenção, porque isso é contra o SUS. E sim para priorizar alguns grupos e diferenciar algumas estratégias, ações e serviços em função das peculiaridades daquele grupo, daquele território, daquelas condições específicas de vida. Nunca para dizer que somente ali você vai garantir 100% de cobertura. Se você diz isso, você está dizendo que a Atenção Básica se compromete a atender todo mundo que vive em condição de risco. Quem vive em condição de risco? A classe trabalhadora menos remunerada, com piores condições de vida. A Atenção Básica tem sido o principal meio do SUS garantir acesso e cobertura da população. A gente tem uma cobertura de 60% em média no território nacional pela Atenção Básica, e tem município que alcançou 100% da sua população. Então você está dizendo que o SUS, na sua principal vertente de promoção do direito à saúde, que tem sido a Atenção Básica, só garante isso para uma parte dessa população, a população mais pobre, em piores condições de risco, ou que tenha vivido alguma catástrofe. Você está se descomprometendo com o princípio da universalidade, que é um princípio estruturante, ético-político do SUS.

EPSJV/Fiocruz:  Uma universalização seletiva...

Márcia Valéria Morosini: E aí a gente retorna a um discurso da década de 1990 com o qual nós nos debatemos, que esteve muito associado ao primeiro momento de formulação do Programa Saúde da Família e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Na correlação de forças os defensores do SUS universal, público, estratégico, da atenção integral, foram ganhando espaço. Houve um reequilíbrio de forças que a gente conseguiu, pelo menos na Atenção Básica, seguir um horizonte da universalidade, da integralidade. E a gente percebe que esse texto, nas ambiguidades que ele vai abrindo e que a gente foi denunciando, ele vai desregulamentando questões fundamentais na PNAB que propiciam que esse tipo de seletividade retorne e com mais força agora, porque ele está no texto. Nesse sentido as mudanças feitas no texto após a consulta pública explicitaram essa seletividade que anteriormente estava presente, mas silenciada.

EPSJV/Fiocruz: A questão da carga horária dos profissionais das equipes de saúde da família e das equipes de atenção básica foi outra questão considerada problemática no texto da revisão da PNAB de acordo com o documento de contribuições da EPSJV à consulta pública. Como isso ficou no texto aprovado? 

Márcia Valéria Morosini: Essa foi uma questão contra a qual a gente se bateu muito também: a questão da exigência de dedicação exclusiva de 40 horas somente para as equipe de Saúde da Família. A gente sabe que na PNAB de 2012 a carga horária dos médicos foi flexibilizada. Médicos não precisavam mais ter 40 horas. Quando eles trazem então essa nova PNAB, eles retomam as 40 horas para todos os profissionais da equipe de Saúde da Família mas flexibilizam para as equipes de Atenção Básica. Isso foi criticado. Agora eles dizem assim: a carga horária de cada profissional de Atenção Básica não poderá ser inferior a 10 horas, e o máximo de profissionais por categoria será de três profissionais. Ou seja, você regulamentou pelo mínimo. Porque quando é que 10 horas foi suficiente para atender, para realizar todas as ações que a gente entende que devem ser realizadas pelos profissionais que se inserem na Atenção Básica? A gente está vendo um retrocesso ao modelo tradicional de atenção básica, que a gente chama de queixa- procedimento, queixa-consulta: eles têm aquele pacote de consultas a atender mediante a queixa, a procura da população por aquela atenção e o que eles têm a oferecer é clínica, e uma clínica simplificada porque com 10 horas, sendo substituído rapidamente, o que um profissional pode oferecer para essa população? Então você perde o princípio da continuidade da atenção, da responsabilidade sanitária, que são princípios caros à atenção primária forte como a gente a defende e como a gente entende que estava sendo construída através da Estratégia de Saúde da Família.
Veja, digamos que você é um gestor municipal e tem, historicamente, dificuldade de encontrar médicos pra poder atuar 40 horas com exclusividade nas equipes de Saúde da Família, que é o que se exige; você tem uma equipe no Saúde da Família que tem que ter agente comunitário de saúde, se bem que agora só se for das áreas vulneráveis. São trabalhadores que conseguiram importante regularização de vínculo, que têm conseguido, por meio de emendas constitucionais, por exemplo, a definição de um piso salarial, que outras categorias ainda estão lutando pra constituir. Esse gestor vai querer se comprometer com tudo isso? Ou ele vai optar por um formato simplificado, na qual ele não precisa nem contratar médico 40 horas? Quer dizer, além de você atender essa lógica, você libera esse médico para o mercado. Ele vai dar 10 horas aqui, vai dar sei lá quantas horas em outros vínculos do setor privado.
Continue a leitura no site da EPSJV/Fiocruz

Fonte: https://agencia.fiocruz.br/nova-pnab-e-uma-volta-ao-passado-diz-pesquisadora-da-fiocruz?utm_source=Twitter&utm_medium=AFN&utm_campaign=campaign&utm_term=term&utm_content=content