Título original: "Carta Aberta dos Docentes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo ao Prefeito da Cidade de São Paulo, João
Agripino da Costa Doria Junior"
Fonte: http://www.intranet.fcf.usp.br/sti/Diretoria/CartaDocentes-Doria.pdf
Excelentíssimo Senhor Prefeito João Agripino da Costa Doria Junior
A Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), cuja missão é
"Promover a formação de recursos humanos qualificados, empreendedores e
com visão crítica, gerar o conhecimento e atuar nas atividades de extensão em
Ciências Farmacêuticas", manifesta-se contrária à proposta de alteração do
modelo das Farmácias das Unidades Básicas de Saúde da Secretaria Municipal de
Saúde de São Paulo, no que se refere à dispensação de medicamentos à população
pelas farmácias da rede privada do comércio varejista, considerando:
1. Os avanços no cuidado em
saúde no Brasil estão ligados à implementação dos preceitos relacionados à
Atenção Básica em Saúde, o que tem sido uma forte diretriz para a mudança de
paradigma para os cursos de graduação na área de saúde na última década.
2. O farmacêutico é o
profissional da área da saúde com formação generalista, humanista, crítica e
reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor
científico e intelectual. Capacitado ao exercício de atividades referentes aos
fármacos e aos medicamentos, às análises clínicas e toxicológicas e ao
controle, produção e análise de alimentos, pautado em princípios éticos e na
compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo
sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade (RESOLUÇÃO
CNE/CES 2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais – DCN – para os cursos de Farmácia no Brasil).
3. Essas Diretrizes foram
construídas após profundos debates que envolveram a comunidade científica e
seguem os preceitos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Federação
Internacional dos Farmacêuticos (FIP) sobre a formação do farmacêutico para
atuar em prol da saúde dos indivíduos, da família e da comunidade. Tal fato
representa uma mudança de paradigma: o foco de atuação do farmacêutico é o
paciente e o medicamento é um dos recursos empregados na terapêutica, cuja
utilização deve ser monitorada visando ao seu uso racional.
4. A Política Nacional de
Medicamentos (Portaria nº 3.916/GM, de 30 de outubro de 1998) estabeleceu a
necessidade de reorientação da Assistência Farmacêutica no Brasil, definiu uso
racional de medicamentos e ressaltou a importância da dispensação de
medicamentos em condições técnicas adequadas.
5. A dispensação é um ato
profissional farmacêutico que não se restringe à entrega de um medicamento ao
usuário e requer orientação sobre o uso correto, incluindo possíveis interações
fármaco-fármaco e fármaco-alimentos, horários de administração, adesão ao
tratamento prescrito, entre outros.
6. A Política Nacional de
Assistência Farmacêutica (RESOLUÇÃO nº 338, de 06 de maio de 2004 do Conselho
Nacional de Saúde) está inserida na Política Nacional de Saúde e estabelece a
necessidade de manutenção de serviços de assistência farmacêutica na rede pública
de saúde, nos diferentes níveis de atenção, considerando a necessária
articulação e a observância das prioridades regionais definidas nas instâncias
gestoras do Sistema Único de Saúde.
7. O acesso da população a
medicamentos no Brasil aumentou nos últimos anos, fruto das políticas públicas
que resultaram em investimentos na qualificação da infraestrutura e na
organização das farmácias da Rede de Atenção à Saúde, contando, inclusive, com
a contratação de farmacêuticos que colaboram com a equipe multiprofissional
para aumentar a resolutividade das ações de cuidado em saúde.
8. O sucesso da terapêutica
depende do acesso a medicamentos de qualidade, eficácia e segurança
comprovados. Porém, a disponibilidade do medicamento não é suficiente para
alcançar os objetivos terapêuticos. A falta de orientação adequada no momento
da dispensação e a falta de adesão do paciente ao tratamento prescrito são
fatores que, reconhecidamente, comprometem o resultado em saúde esperado.
9. Em 2016 a Secretaria
Municipal de Saúde publicou a Portaria 1918/2016, que institui o Cuidado
Farmacêutico na Rede de Atenção Básica e de Especialidades na SMS-SP,
considerando cuidado farmacêutico como “ação integrada do farmacêutico com a equipe
de saúde, centrada no usuário, para promoção, proteção, e recuperação da saúde
e prevenção de agravos. Visa à educação em saúde e à promoção do uso racional
de medicamentos prescritos e não prescritos, de terapias alternativas e
complementares, por meio dos serviços da clínica farmacêutica e das atividades
técnico-pedagógicas voltadas ao indivíduo, à família, à comunidade e à equipe
de saúde”.
10. A despeito da
promulgação da Lei 13.021/2014 que define a Farmácia como “uma unidade de
prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência
à saúde e orientação sanitária individual e coletiva”, as Farmácias da rede
privada ainda são caracterizadas como “lojas” ou “pontos de venda – PDV” pelo
setor farmacêutico, conhecido amplamente como “varejo farmacêutico”.
Face a essas considerações,
ressaltamos que, caso a dispensação de medicamentos à população da Cidade de
São Paulo passe a ocorrer em farmácias da rede privada do comércio varejista,
certamente haverá prejuízos ao cuidado em saúde.
Garantir a dispensação de
medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde, o que vai muito além da simples
entrega do medicamento ao usuário, é contribuir para o uso racional de
medicamentos, para a promoção da saúde da comunidade e para a melhoria da
qualidade de vida das pessoas.
Finalizando, também evidenciamos
a necessidade de ampla discussão com a sociedade de quaisquer medidas que
signifiquem impacto sobre o acesso a medicamentos e a serviços de saúde na
Cidade de São Paulo.
Cordialmente,
subscrevemo-nos,
Professores da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
Prof. Adalberto Pessoa
Junior
Profa. Ana Paula de Melo
Loureiro
Prof. André Rolim Baby
Prof. Anil Kumar Singh
Profa. Carlota Rangel Yagui
Profa. Cristina Northfleet
de Albuquerque
Profa. Dulcinéia Saes Parra
Abdalla
Profa. Edna Tomiko Myiake
Kato
Profa. Elfriede Marianne
Bacchi
Profa. Elizabeth Igne
Ferreira
Profa. Elsa Masae Mamizuka
Profa. Elvira Maria Guerra
Shinohara
Prof. Felipe Rebello
Lourenço
Prof. Fernando Salvador
Moreno
Prof. Gustavo Henrique
Goulart Trossini
Profa. Irene Satiko Kikuchi
Profa. Jeanine Giarolla
Prof. João Carlos Monteiro
de Carvalho
Prof. Joilson de Oliveira
Martins
Profa. Juliana Neves
Rodrigues Ract
Prof. Leoberto Costa Tavares
Prof. Marco Antônio Stephano
Profa. Maria Valéria Robles
Velasco
Prof. Mario Hiroyuki Hirata
Prof. Maurício Yonamine
Prof. Michele Vitolo
Profa. Nádia Araci
Bou-Chacra
Profa. Primavera Borelli
Prof. Ricardo Pinheiro de
Souza Oliveira
Prof. Roberto Parise Filho
Profa. Rosario Dominguez
Crespo Hirata
Profa. Silvia Storpirtis
Profa. Tania Marcourakis
São Paulo, fevereiro de
2017.