A entrevista abaixo foi publicada no
site da Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários
Regulamentados – CNTU. A mesma foi feita com a Farmacêutica Gilda Almeida de Souza,
grande liderança política. Farmacêutica de luta que muito orgulha a profissão.
Tenho em Gilda, além de uma amiga, minha inspiração e a dirigente que me
ensinou muito na direção do Sindicato dos Farmacêuticos de SP e na Federação Nacional
dos Farmacêuticos. Vale a pena conhecê-la, por sua história política, por sua
militância e pelo papel que desempenhou e desempenha pelo fortalecimento da
profissão farmacêutica.
A matéria foi extraída do site: www.cntu.org.br e foi escrita por Rita
Casaro, da comunicação da CNTU. A foto é de Beatriz Arruda.
Parabéns Gilda pela entrevista e
parabéns para a CNTU pelo tema abordado.
A
mulher deve aprender a disputar o poder para ocupar espaços estratégicos
A
vice-presidente da CNTU, Gilda Almeida de Souza, fala sobre a difícil batalha
pela igualdade de gênero, sobretudo na política
Oportunidades e salários iguais no
mercado de trabalho, divisão das tarefas domésticas e equipamentos sociais
adequados, atenção à saúde, fim do assédio e da violência e condições de
disputar posições de destaque na política e no movimento sindical. Construir
essa realidade de plena emancipação feminina, que tem como barreira séculos de
cultura patriarcal e inúmeros preconceitos, é a meta da sindicalista Gilda
Almeida de Souza, vice-presidente da CNTU e coordenadora do Coletivo de
Mulheres da entidade. “Essa é uma luta que é da superestrutura, não vai se
resolver no curto prazo, mas é preciso enfrentá-la”, afirma a farmacêutica
formada em 1973 pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Na sua opinião, passo importante nessa
direção foi a decisão da confederação de dar prioridade a essa questão. Como
resultado do 1º Encontro da Profissional Universitária, que a CNTU promove em
15 de abril, em São Paulo, ela espera que o tema seja incorporado à pauta de
discussão das federações filiadas e essas invistam na mobilização e formação
das mulheres.
Gilda destaca como ponto fundamental de
ação o trabalho pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC)
130/2011, conhecido como o PL da igualdade. A proposição acrescenta § 3º ao
art. 401 da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de estabelecer multa para
combater a diferença de remuneração verificada entre homens e mulheres no
Brasil. Apresentado em dezembro de 2011 e aprovado na Câmara dos Deputados,
aguarda aprovação nas comissões do Senado para ir à sanção presidencial.
Dona ela própria de uma rica história
de superação do machismo, seja na profissão ou na luta dos trabalhadores, Gilda
chegou a São Paulo em 1975 apenas com o filho mais velho, à época um bebê, e
foi morar provisoriamente com a irmã que vivia na clandestinidade por combater
a ditadura ainda vigente no País. Desde então, exerceu inúmeras posições de
destaque, tendo sido a primeira mulher a presidir o Sindicato dos Farmacêuticos
de São Paulo (1989-1998) e a Federação Nacional dos Farmacêuticos
(1991-2000). Também atuou na Central Única dos Trabalhadores (CUT) antes da
criação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), da qual é
dirigente. Aposentada no Instituto Butantã, instituição a qual se dedicou
durante toda sua vida profissional, Gilda é avó de três netos e continua a
enfrentar a difícil, mas essencial, batalha pela igualdade. Sobre o tema ela
falou ao Portal da CNTU.
Com foi o seu ingresso na profissão com farmacêutica?
Na realidade, o que determinou muito essa questão, de como lidar com a luta
pelos direitos, seja no trabalho, no movimento sindical e na política, na
saúde, em todos os campos, e me ajudou bastante foi a formação familiar. Na
minha casa, era muito presente a ideia de a mulher ser independente, ter seu
espaço, meus pais valorizavam muito isso. Então, escolher farmácia não foi
muito fácil, mas estava na pauta optar por uma profissão, o que era decisivo
para ser independente. Construí minha trajetória com base nisso.
E a entrada no mercado de trabalho?
O primeiro desafio foi arrumar um emprego em São Paulo. Quando me inscrevi para
ser estagiária no Instituto Butantã não foi fácil. Apesar de já ter uma
concepção emancipacionista da mulher, enfrentei um campo que era de homens. Na
saúde, já havia muita mulher, mas os chefes eram homens, a começar pelo
diretor. A gente se dá conta de que você tem que vestir a camisa e sair
lutando, ou não abre os espaços. Quando você está na área da saúde, da ciência,
a sua capacidade, responsabilidade conta muito. O fato de já militar no partido
me orientava. Aí, comecei a militar no movimento sindical. Quando vim morar em
São Paulo, não tinha muito claro como ia militar, mas já sabia que iria ser uma
lutadora do povo brasileiro, da minha categoria, dos meus pares. Entrei no
movimento dos servidores públicos.
Houve dificuldades mesmo numa categoria
em que havia muitas mulheres?
Na minha categoria hoje, 70% devem ser mulheres. Quando entrei, já eram 50%. Eu
fui a primeira presidente do sindicato que em 8 de março último, completou 68
anos. Eu fui a primeira presidente há mais de 20 anos e até agora fui a única.
Tenho batalhado muito, dizendo que precisamos formar as mulheres, que elas
precisam ter sede de ocupar os espaços e disputar o poder. Têm que começar a
fazê-lo no sindicato, no trabalho, em casa para depois pleitear os cargos
legislativos, executivos. Questões fundamentais a serem tratadas é a violência
e o assédio, porque é uma questão de dominação.
Por que na atualidade ainda existe essa
barreira?
Uma das questões é a cultural. As mulheres sempre foram colocadas em lugares
que não fossem de destaque ou de mando. Isso já mudou bastante, mas ainda
existe. A mulher tem que fazer a disputa no sindicato para ser a presidente, é
preciso travar a disputa, ainda que fraterna, com os homens. Além disso, a
mulher socialmente tem tarefas que são inerentes a ela e não entram na divisão
do trabalho, como a maternidade e a casa, então tem mais dificuldade. E o poder
público não compreende que a mulher precisa de equipamentos para poder exercer
plenamente o seu trabalho e a sua cidadania. Nesse sentido, o projeto de
lei da igualdade que está tramitando é uma batalha que todas nós temos que
enfrentar.
Essa situação afeta inclusive as
mulheres de classe média?
A
mulher que tem melhor condição financeira, por exemplo a de nível
universitário, que tem um emprego provavelmente melhor, também enfrenta
problemas. Por exemplo, uma creche boa custa cerca de R$ 1.000,00. Ela
até pode pagar. Mas ela tem a obrigação de levar e buscar. Na hora de colocar
para dormir é ela que põe, culturalmente a responsabilidade é dela. É preciso
uma formação para que a mulher entenda porque tem esse papel, porque aceita ser
a responsável pelo lar. Raramente, se vê a divisão das tarefas de verdade.
Na política, o problema também persiste.
Comemoramos em 24 de fevereiro os 82 anos do voto feminino, mas ainda temos
pouquíssimas mulheres na política. E mais ainda, dificilmente essa inserção se
dá devido a uma trajetória nos movimentos sociais, mas sim porque o marido ou o
pai introduzem a mulher na política. É importante de qualquer forma, mas temos
que valorizar as que são oriundas dos movimentos, porque farão uma grande
diferença.
As cotas de candidaturas femininas nos partidos não têm funcionado?
Elas existem pró-forma, lança-se a mulher, mas o investimento na candidatura é
muito pequeno. A cota por si só não resolve, tem que ser qualificada. Por
exemplo, as centrais sindicais têm cota de dirigentes mulheres, mas
dificilmente uma é presidente, tesoureira ou secretária-geral.
Nesse caso as secretarias ou
departamentos de mulher têm a sua função, não?
É importante, tem que ter, porque há especificidades que precisam ser tratadas
e que muitas vezes o homem não compreende por mais arejado que seja. Mas ainda
não são estruturas de poder. Isso é na presidência, na tesouraria, na
secretaria geral e hoje também na área de imprensa. Dificilmente você encontra
mulheres nessas posições.
E quanto ao Coletivo de Mulheres da
CNTU, que papel tem?
Embora tenhamos formação acadêmica, ainda somos muito submetidas, haja visto
que nas nossas categorias, mesmo quando há maioria feminina, os presidentes são
homens. Muitas vezes até se justifica pelo preparo etc, mas isso se dá porque
na trajetória não foi dada oportunidade às mulheres para que se preparassem. É
difícil encontrar uma pauta que tenha questões específicas da mulher. Isso só
acontece quando tem uma mulher com consciência e poder. Não é fácil conseguir
isso. O movimento sindical é muito machista, essa é uma marca forte e
representa o que existe na sociedade. A formação é fundamental para elevar o
nível de consciência sobre os temas que existem para poder lutar. Você não luta
pela questão de gênero, se não compreende o papel e o espaço que a mulher deve
ter. Por isso valorizo muito a CNTU ter construído o coletivo de mulheres e
estar investindo nisso.
Qual a meta do encontro que a
confederação promove em abril?
Temos que sair dali com o tema incorporado pelas nossas categorias. Se
conseguirmos que as federações façam o debate sobre como mobilizar as mulheres
para aprovar o projeto da igualdade e fazer cursos de formação, será um grande
avanço, teremos cumprido o nosso papel. Fazer isso implica abordar problemas
concretos, como os salários, a oportunidade de estudar, os equipamentos
sociais. A mulher tem que entender que tem direito a tudo isso.
Fonte do texto e da imagem:
http://www.cntu.org.br/cntu/noticias/a-mulher-deve-aprender-a-disputar-o-poder