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terça-feira, 21 de junho de 2011

Os Caminhos da Saúde e da Felicidade...

O texto abaixo, escrito pelo amigo José Augusto Barros (Professor de Medicina Social, graduado em Filosofia, Medicina e História, com Doutorado e Pós-Doutorado em Epidemiologia na Espanha), pessoa que respeito muito, me foi dado pelo próprio autor. Leitor deste humilde Blog, a quem agradeço por ser um dos dois ou três que possuo, transmito sua mensagem, escrita num momento delicado. O título já fala por si:


OS CAMINHOS DA SAÚDE E DA FELICIDADE



Tentando explicar o fenômeno Saúde/Doença

"É inerente a todo ser humano, desde priscas eras, a busca da saúde e da felicidade. As estratégias para consecução das mesmas é que se ajustam, ao longo da história da humanidade, ao progresso contínuo no âmbito das diversas ciências, além das concepções de natureza filosófica ou das modificações de ordem sócio-econômica que foram ocorrendo ao longo do tempo. Na trajetória evolutiva das concepções e das práticas sobre a saúde e a doença poderiam ser identificados alguns paradigmas que, começando com a visão mágico-religiosa, na antiguidade, termina na abordagem do modelo biomédico ou mecanicista, predominante nos tempos de hoje.

Avanço significativo no pensamento médico ocorre quando se dá um desvio do foco de interesse das forças sobrenaturais para o portador da doença, passando a mesma gradativamente, a ser vista como um fenômeno natural, passível de ser compreendido e liberado da intromissão de forças divinas ou malévolas, mesmo que as mesmas sobrevivam em nossa sociedade atual. Esse novo enfoque, que pode ser designado como medicina empírico-racional teve seus primórdios no Egito (papiros com fragmentos de textos médicos datam de três mil anos antes de Cristo).

No ocidente, especulações com vistas a encontrar uma explicação não sobrenatural para a saúde e a doença devem muito aos primeiros esforços de alguns pioneiros que tentam entender os fenômenos, em uma nova dimensão particularmente na Grécia clássica, iniciando-se no VI século AC, com o nascimento da filosofia (amor à sabedoria). Os primeiros filósofos pré-socráticos perseguem uma explicação para as origens do universo e da vida. Essa matéria prima (arké=origem, começo) por eles visualizada como sendo a água, a terra, o fogo e o ar, está subjacente à teoria dos humores de Hipócrates (460-377 AC). Mais adiante, serão significativas as contribuições, sempre embasados em um enfoque holístico, de Galeno (início da idade média) e Paracelso (na interface da idade média e o renascimento). Ambos chamam a atenção – em alguma medida, essas idéias já se fazem presentes em Hipócrates – para alguns princípios que caracterizam uma visão holística, do processo saúde/doença realçando a importância da dieta, motivações de natureza emocional, ambiente de trabalho e até mesmo, para a existência de predisposições em algumas pessoas para desenvolverem determinadas doenças.

Com a eclosão da revolução científica, no contexto do Renascimento e a partir do século XV, em diante, com a contribuição da astronomia (Copérnico, Galileu e, em seguida, da Física, especialmente com Isaac Newton, além da Filosofia (René Descartes, John Locke, Hume). Os avanços advindos da mecânica newtoniana possibilitaram que muitos fenômenos da vida cotidiana pudessem ser explicados e com a contribuição da química e da biologia, lançaram as sementes da medicina mecanicista e do modelo biomédico a ela atrelado. Ela fornece, crescentemente, os instrumentos para que os médicos pudessem lidar de forma cada vez mais satisfatória, com um número cada vez maior de doenças. O equívoco do novo modelo – hiperdimensionando os componentes biológicos e pondo em plano secundário, os emocionais e sócio-econômicos – redundou nos espaços crescentes ocupados pela tecnologia diagnóstico-terapêutica. Esta disponibiliza estratégias fundamentais para gozar bons níveis de saúde. Não se pode negar os ganhos provenientes de contribuições notáveis da engenharia genética e da biotecnologia, assim como das ciências da computação e, também, certamente, da indústria farmacêutica. Os interesses da lógica de mercado, no entanto, perseguindo lucros, provocaram distorções que levam ao uso desnecessário ou mesmo, exagerado, de exames laboratoriais – e parece que, quanto mais sofisticados, melhor - e medicamentos.

Tentando mensurar o nível de vida e de saúde

Vários indicadores têm sido propostos para medir o nível de saúde ou de vida, em forma mais ampla. No primeiro aspecto, taxas e índices de variada natureza, se voltam para a morbidade (doenças) e mortalidade, por um lado e, por outro para apreender a cobertura dos serviços de saúde (percentual de vacinados, número médio de habitantes por médicos e outros profissionais de saúde, leitos hospitalares por habitantes, etc.). Quanto à tentativa de mensurar a qualidade de vida, sendo utilizados a renda per capita, a percentagem de analfabetos ou de habitantes ou moradias com acesso ao saneamento básico e, mais recentemente, o IDH (Índice de desenvolvimento Humano). Iniciativa da ONU, este indicador que tem valores que vão de 0 a 1, sendo a qualidade de vida melhor, quanto mais próximo de 01 for o valor assumido. Reúne dados relativos à „Longevidade‟ (expectativa de vida ao nascer), „níveis de ensino‟ (percentual de analfabetos e de acesso ao conhecimento (alfabetizados com mais de 15 anos, percentual de matriculados nos 3 níveis de ensino) e „renda nacional bruta‟. Os países são classificados como de “desenvolvimento elevado” (> 0,800), “médio” (0,500 a 0,799) e “baixo” (até 0,499). conforme dados divulgados em novembro de 2010 pela ONU, o Brasil apresenta IDH de 0,699, atualmente ocupando o 73° lugar no ranking mundial entre 160 países.

O que se entende por ‘felicidade’ ?

É vocação universal e inerente ao ser humano tudo fazer para alcançar a felicidade, com critérios, por vezes dúbios ou muito subjetivos para defini-la e, mais ainda, para perceber-se vivenciando-a. A Felicidade, segundo a antropóloga, Susan Andrews dependeria do grau e freqüência de afeto e emoções positivas com bem-estar subjetivo, satisfação de vida ao longo do tempo, com contentamento interior e ausências de emoções negativas como depressão. Segundo o psicólogo Pierre Weill, “a felicidade não pode ser nem caminho de busca, nem ponto de chegada. quem procura a felicidade nunca vai achar. ela está aqui e agora nesta nossa conversa, neste sorriso. ela está brotando a todo momento. Se a gente procura ter um objetivo de ter felicidade um dia, cria uma tensão em torno de um objetivo em uma realidade que a gente não está vivendo, porque a gente está pensando no futuro. então felicidade é aqui e agora: se vive a todo instante ou então não tem”. Já para o psicólogo americano Martin Seligman, a Felicidade seria um somatório de „prazer‟ (sensação agradável que costuma tomar nossos corpos e que se manifesta por um sorriso e por olhos brilhantes), engajamento‟ (a profundidade de envolvimento entre a pessoa sua vida) e significado‟ (sensação de que nossa vida faz parte de algo maior).

Na tentativa de superar as limitações de outros indicadores, sobretudo do PIB (Produto Interno Bruto)1, com o apoio do PNUD (Programa, surge no Butão, em 1972 o FIB (Felicidade Interna Bruta) com a intenção, ao fim e ao cabo, de medir o “desenvolvimento da sociedade” tomando como parâmetros, „qualidade de vida‟, „cultura‟, „padrão de vida‟, „educação‟ e „saúde‟. Toma por base, os seguintes princípios:‟ bom padrão econômico‟ , „boa governança‟, „educação de qualidade‟, „saúde‟, „vitalidade comunitária‟, „proteção ambiental‟, „diversidade cultural‟, „uso equilibrado do tempo‟ e bem-estar psicológico e espiritual‟.

Que estratégias adotar para ser feliz e saudável ?

Os gastos para convencer a todos dos aspectos positivos do uso dos medicamentos – escamoteando, obviamente, seus riscos e potencial de provocar danos – ultrapassam, de longe, o que a indústria farmacêutica dispense com a pesquisa e desenvolvimento de novos fármacos. Há intentos de fazer crer que todo é, em alguma medida, enfermos, buscando-se, aliás, uma pílula para todo e qualquer problema, incluindo os imaginários ou fictícios. A venda de ansiolíticos e antidepressivos é crescente e o consumo se amplia, deliberadamente, com estratégias promocionais dos fabricantes de drogas psicoativas, na medida em que condições do dia a dia, como a tristeza ansiedade, até mesmo estados fisiológicos como a menstruação são rotulados como problemas mentais. Impõem-se, ademais, sobretudo juntos aos jovens, de ambos os sexos, um padrão de beleza ou de desfrute de um “corpo sarado” que amplia o consumo de inibidores do apetite, por um lado e de anabolizantes, por outro. Desconsiderando os malefícios inerentes a essas substâncias. Chegou-se a princípios ativos que atuam na disfunção erétil, descuidando que, como em qualquer distúrbio, há participação inexorável de componentes psicológicos. Quer-se descobrir um fármaco para a timidez. E por aí vamos, entrando na “onda” da busca de alternativas mágicas que, aparentemente, vão nos fazer felizes. Esquecemos que ser feliz e saudável não é uma questão, propriamente, de acesso à tecnologia, mas, antes de tudo a valores solidários e de aderência a hábitos de vida, comprovadamente saudáveis, como são, a prática de desportos ou atividade física, além de preocupação com a dieta e minimização das fontes de estresse. Temos que nos contrapor à ideologia de consumo que dissemina, fortemente, a idéia de que, quanto mais “consumo”, de bens e serviços os mais diversos, mais “felizes seremos”. Daí a ampliação de fenômenos como automedicação, gastos supérfluos em exames e medicamentos, aumento de efeitos indesejáveis e persistência da “infelicidade”, frustração e empenho para alcançar metas que, se atingidas, impõem novos esforços de ajuste e subordinação aos ditames do mercado.

Em suma, é oportuno não transferir para outrem (parceiro, amigo, pais) a responsabilidade que somente a cada um compete das escolhas que faz, dos espaços que conquista. Aprendamos a viver cada momento, sem ficarmos prisioneiros do passado ou do futuro. E, sobretudo, incorporemos a idéia de que o bem-estar e a felicidade não existirão, como projeto individual, isto é, somente desfrutaremos dessa condição se nos engajarmos, diuturnamente, na tarefa de construção de uma sociedade mais fraterna, onde impere a justiça social."

sábado, 2 de abril de 2011

Médico fala sobre Uso Racional de Medicamentos

O texto abaixo foi recebido por email, enviado pelo amigo e entrevistado, José Augusto Cabral de Barros. A entrevista foi publicada, segundo o autor, na revista do CREMESP (Edição 279 - 3/2011).


“Há uma crença exagerada e equivocada no poder dos fármacos”

Autor dos livros “Os fármacos na atualidade: Antigos e novos desafios”, “Políticas farmacêuticas: A serviço dos interesses da saúde?”, “Propaganda de medicamentos: Atentado à saúde?” e de inúmeros artigos e crônicas sobre os motivos e consequências do uso que se faz dos medicamentos, o médico José Augusto Cabral de Barros analisa, nesta entrevista ao Jornal do Cremesp, o crescente e preocupante processo de medicalização existente na sociedade brasileira, discutindo a promoção do uso racional de medicamentos, a ética da produção científica e a regulação sanitária de medicamentos. Além de doutor em Epidemiologia e mestre em Medicina Preventiva, foi professor dos departamentos de Medicina Social e de Saúde Coletiva, respectivamente, da Universidade Federal de Pernambuco e da Federal de Juiz de Fora.

Em que consiste o uso racional de medicamentos?

Segundo preceitua a própria Organização Mundial de Saúde, ocorre o uso racional dos medicamentos quando os pacientes recebem a medicação adequada às suas necessidades clínicas, nas doses correspondentes a suas características individuais, durante o tempo necessário e ao menor custo possível, para eles e para a comunidade.

Qual o papel do médico nessa estratégia?

O médico é, legalmente, na equipe dos profissionais que cuidam da saúde, o responsável pela prescrição dos medicamentos. A ascendência e lugar por ele ocupados – mesmo que se detecte uma busca crescente de alternativas não alopáticas – faz com que a receita tenha, ainda, larga proeminência, influenciando, inclusive, a chamada automedicação, pois o conteúdo da mesma com frequência provém de uma prescrição precedente e/ou que é passada adiante.

A que fatores atribui o aumento do consumo de remédios por parte da população?

Influenciam no fenômeno a crença exagerada e equivocada no poder dos fármacos, transformados em pílula mágica; as atividades, com muitos instrumentos na sua implementação, da propaganda; e a hegemonia do modelo biomédico ou carte¬siano na formação e práticas médicas. A divulgação científica de pretensas novidades terapêuticas – veiculadas pela internet, revistas de grande circulação, programas de TV e rádio etc. – têm também, em larga medida, contribuído para esse cenário.

Quais os efeitos nos pacientes e as consequências no sistema de saúde?

O êxito e a qualidade da farmacoterapêutica poderão estar comprometidas, com impacto na morbi-mortalidade; podem ocorrer dispêndios de ordem econômica em medicamentos supérfluos ou desnecessários, além do risco de ampliação de efeitos indesejáveis ou mesmo tóxicos.

O médico deve ter uma postura mais crítica em relação a isso?

Na escola médica, tem sido hegemônica a ênfase no modelo biomédico de interpretação do fenômeno saúde/doença. Nesse contexto, os componentes biológicos do processo são hiperdimen-sionados, com excessiva intromissão da tecnologia diagnóstico-terapêutica. A lógica de mercado, por sua vez, reforça essa visão, no interesse de multiplicar as vendas e os lucros consequentes. Os profissionais têm se deixado levar por brindes da mais variada natureza (do patrocínio de viagens a congressos; amostras grátis; e mesmo algumas “miçangas” do tipo canetas, blocos de receituário etc.).

O que pode ser feito para mudar essa realidade?

Urge, pois, uma reorientação que contemple reforma na grade curricular (com inclusão de conteúdos de farmacoepidemiologia) e institucionalização de alternativas de atualização e formação continuada, contrários ao viés mercantil que advém dos produtores, a que os médicos têm estado reféns.

Há uma política de regulação sanitária de medicamentos no país?

A normatização mais ampla e, teoricamente, consistente, se encontra na Portaria 3916, de 30/10/1998, com diretrizes e estratégias de controle explicitamente visando o uso racional de medicamentos. As regras para monitorar e as estratégias promocionais, no entanto, são descumpridas a olhos vistos, e as punições à violação das mesmas – se e quando existem sob a forma de multas – são pouco eficazes.

Qual a importância da definição de listas de medicamentos essenciais?

Estas listas de medicamentos essenciais são de extrema importância para racionalizar a prescrição e para a efetividade, ou seja, a obtenção dos resultados esperados, e eficiência, que diz respeito aos custos envolvidos nos programas de assistência farmacêutica oficiais, ajudando a ampliar a cobertura. A lista é um dos componentes dos chamados Programas de Medicamentos Essenciais, propostos e estimulados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), desde meados dos anos 70 – a partir, sobretudo, de Conferência realizada em Nairobi –, e dos quais constam, igualmente, a existência de um sistema de famarcovigilância, um programa de medicamentos genéricos, a disponibilidade de um formulário terapêutico e de informações isentas do viés mercadológico para todos os profissionais que lidem com medicamentos. Vale ressaltar ser esse último tópico, o único ainda não existente no Brasil.

Quais os princípios éticos que os pesquisadores devem observar?

Devem se ater, rigorosamente, aos resultados de suas pesquisas, de fato encontrados nos ensaios clínicos, não permitindo, sob nenhum pretexto, que os mesmos sejam manipulados pelas empresas farmacêuticas e seus departamentos de marketing. É preocupante considerar o fato de que, cada vez mais, em especial nos Estados Unidos, os mencionados ensaios venham sendo realizados por empresas privadas, criadas com o fim precípuo de implementar pesquisas, sob contrato dos produtores.

Como a universidade tem lidado com a crescente intromissão da indústria nos espaços acadêmicos?

Após muito tempo de inteira passividade e submissão à intromissão da indústria farmacêutica nos espaços acadêmicos – particularmente nos Estados Unidos –, têm sido tomadas algumas iniciativas para cercear ou controlar a atividade de seus representantes, que visitam consultórios.

No Brasil, a recomendação do Congresso da Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), em 2006, não vem tendo o impacto desejável, sendo exceção a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, que tomou medidas restritas em relação a esse “agente de vendas”, assim como introduziu disciplina sobre uso racional dos medicamentos para alunos do 5º período do curso.